Valor econômico, v. 17, n. 4101, 29/09/2016. Brasil, p. A5

Guerra do aço leva Brasil à OMC contra EUA

Temer dá aval a pedido de consultas por sobretaxa americana a laminado da CSN e Usiminas

Por: Daniel Rittner e Bruno Peres

 

O governo brasileiro acionará os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC) por causa das sobretaxas impostas pela Casa Branca a produtos siderúrgicos exportados para o mercado americano. A autorização para o pedido de consultas, que pode resultar na abertura de contencioso entre os dois países, foi dada pelo presidente Michel Temer na primeira reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex) sob seu comando direto.

Em uma medida para proteger seus fabricantes de aço, os EUA aplicaram sobretaxas para laminados a frio e a quente da CSN e da Usiminas. A alegação oficial, conforme investigações deflagradas pelo Departamento de Comércio, era que sete programas adotados no Brasil representam subsídio indireto à indústria e são passíveis de medidas compensatórias para proteger as siderúrgicas locais de uma suposta concorrência desleal.

"São procedimentos considerados perfeitamente normais e adotados em todo o mundo", disse o ministro das Relações Exteriores, José Serra, ao explicar que as alíquotas extras inviabilizam a venda dos produtos brasileiros no mercado americano. A decisão foi antecipada ontem pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

O que causa mais inconformismo em Brasília são os programas atacados pela Casa Branca: o sistema de ex-tarifários, o regime de drawback e o Reintegra. Os ex-tarifários são uma lista de máquinas e equipamentos sem similar nacional e, por isso, com tarifas de importação reduzidas. O drawback isenta de imposto insumos importados para processamento exclusivo em produtos direcionados à venda no exterior.

O Reintegra devolve parte dos tributos cobrados dos exportadores na produção. Outros quatro programas entraram na mira de Washington: o Finame, a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para bens de capital, o Desenvolve Bahia (incentivos tributários estaduais) e o "payroll exemption".

Assessores presidenciais explicaram que defender esses programas na OMC tornou-se uma obrigação, porque, se isso não ocorrer, outros países podem acabar usando os mesmos pretextos para colocar barreiras protecionistas a produtos "made in Brazil".

China, Coreia do Sul, Índia, Rússia e Turquia também estavam entre os alvos originais do governo americano na aplicação de sobretaxas para o aço.

Primeiro passo de um eventual contencioso, o pedido de consultas é uma tentativa formal de buscar esclarecimentos em Genebra sobre o assunto e manifestar repúdio às barreiras. Isso ocorrerá ainda neste ano, provavelmente nas próximas semanas, conforme explicaram fontes do governo. Nem sempre as consultas evoluem para um painel no órgão de solução de controvérsias, mas há pouca expectativa de que as sobretaxas sejam retiradas após uma mera reclamação.

Além do aço, a Camex fez uma avaliação do tratado marítimo firmado por Brasil e Chile em 1974. Com posicionamento favorável de todos os integrantes do colegiado ao rompimento do acordo, uma decisão final só não foi tomada porque o Ministério dos Transportes pediu mais 30 dias para analisar a questão, que vem sendo objeto de críticas da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

De acordo com a entidade industrial, criou-se um duopólio na rota Brasil-Chile-Brasil, onde operam apenas duas empresas com oito navios. Em rotas mais distantes, mas sem acordo de exclusividade, como Brasil-Equador ou Brasil-Peru, há pelo menos 30 navios com custos até 40% menores, conforme afirma a CNI.

Atualmente, do total de mercadorias brasileiras exportadas para o Chile, 54,44% usam o modal marítimo. E 69,19% das importações de produtos chilenos chegam ao Brasil pelo mar. "É um mecanismo de transferência de renda do exportador e do importador brasileiro para o transportador. Todos sofrem com fretes elevados, ausência de navios e falta de oferta em horários adequados. A denúncia do acordo é um passo a favor da competitividade e da concorrência", observa o diretor de desenvolvimento industrial da CNI, Carlos Abijaodi.

Também foi aprovada a criação da figura de um "ombudsman" no âmbito dos acordos de cooperação e facilitação de investimentos assinados pelo Brasil com outros países. Atualmente há tratados firmados com parceiros como Angola, Moçambique, Malawi, México e Colômbia.

O "ombudsman" ficará responsável por receber, encaminhar e acompanhar dentro do governo reclamações e problemas apontados por investidores.

Serra disse ainda que o Brasil trabalhará com os demais sócios do Mercosul para derrubar 80 "barreiras residuais" que vigoram internamente no bloco. "Quem olha de fora pensa que está tudo livre em matéria de comércio interno. No entanto, há muitas barreiras na Argentina, Uruguai e Paraguai", comentou o chanceler. Uma das mais "vistosas" está na indústria automotiva, mas elas também existem em outros setores, segundo ele.