Valor econômico, v. 17, n. 4091, 15/09/2016. Finanças, p. C10

Greve do Tesouro deixa investidor sem parâmetro de taxas

Corretoras propõem venda direta de título público, mas é preciso ficar atento à margem

Por: Adriana Cotias

 

A operação padrão dos servidores do Tesouro Nacional, após a greve iniciada em meados de agosto, deixou o investidor que compra títulos públicos às cegas, sem parâmetros de taxas durante o horário de funcionamento do mercado. Com período reduzido para a compra, quem planeja a sua poupança pessoal via Tesouro Direto fica mais sujeito à política das corretoras. Para contornar eventuais problemas, algumas delas oferecem a venda direta dos papéis federais, mas daí o investidor tem que ficar atento ao spread — a fatia do lucro do intermediário — na transação, pois disso depende o retorno que terá com a aplicação.

Enquanto o plano de contingência prevalece, o investidor só pode adquirir os títulos públicos entre 18 horas e 5 horas da manhã, e não há a possibilidade de agendamentos durante o horário regular. Os resgates já eram concretizados nesse intervalo. Em alguns dias, porém, o início das negociações atrasa, o que frustra o investidor que já fica sem aproveitar alguns movimentos de mercado, diz Bruno Carvalho, gerente de renda fixa da Guide.

“O investidor acaba perdendo a janela de aplicação”, afirma. “Isso fomenta as operações via mesa, mas o cliente pequeno sai prejudicado porque não tem essa opção”. A instituição só faz a venda direta para valores a partir de R$ 50 mil porque, como não mantém títulos indexados à inflação em carteira, demanda recorrente da pessoa física, para não correr risco de mercado, tem que adquirir os ativos no mercado secundário. E esse custo de aquisição é repassado para o aplicador com uma margem. A custódia nesse caso chega a 0,20%, enquanto no Tesouro Direto sai por 0,10% mais a taxa fixa da BM&FBovespa, de 0,30%.

O Tesouro atualiza as taxas de compra e venda dos títulos federais no fim do dia, mas não é possível consultar o histórico do valor nominal ou conferir quanto de crédito de juros o aplicador terá, diz o consultor financeiro Marcelo D’Agosto, colunista do Valor .

“Isso atrapalha muito a vida do investidor.” Para quem recorre à compra direta, o único parâmetro, diz, são as taxas compiladas pela Anbima, mas os intervalos indicativos são amplos, enquanto no Tesouro Direto o spread entre compra e venda costuma ser menor.

Uma Nota do Tesouro Nacional série B (NTN-B, título indexado à inflação) com vencimento em 2026 tinha na terça taxas indicativas entre 5,59% e 6,29% pela base da Anbima, enquanto no Tesouro Direto as referências oscilavam entre 6,07% e 6,15%.

Procurada, a Fazenda não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição.

Para atender quem quer negociar título público no horário convencional, a Ativa estendeu a venda direta, antes restrita ao investidor de alta renda, ao público de varejo e pretende sistematizar isso na sua plataforma de negociação, conta o diretor Raul Meyer. Ele diz compensar o spread da operação com a isenção de custódia da corretora e também pela inexistência da taxa fixa da bolsa. Conforme exemplifica, uma NTN-B com vencimento em 2050 saía a 5,65% via Tesouro Direto, considerando o 0,30% fixo mais o 0,10% do agente de custódia, e tinha taxa de 5,85% pela mesa de operações.

Plataformas de investimentos como XP e corretoras ligadas a bancos, como Itaú e Santander , são citadas como instituições que têm recorrido à venda direta de títulos com mais ênfase.

Por meio da sua assessoria, a XP esclarece que a instrução para o atendimento é operar via XP Pro, a própria plataforma de negociação que tem a funcionalidade de ser uma máscara do Tesouro Direto. Assim, o assessor consegue realizar a compra dentro do horário de negociação do Tesouro. A corretora diz ter recebido apenas nove ligações de clientes sobre o tema neste mês, mas não dispôs de um porta-voz para comentar. Santander e Itaú não responderam.

Não é necessariamente ruim comprar títulos públicos diretamente das instituições que atuam por “conta e ordem” do cliente. Nesse caso, há isenção da taxa fixa de 0,30% da bolsa e a guarda dos papéis fica sob titularidade da corretora no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic).

“É um risco diferente, mas aceitável, o problema é a falta de transparência”, diz D’Agosto.

Na Rico, a forma de driblar os problemas trazidos pela greve dos funcionários do Tesouro foi uma adaptação tecnológica no home broker integrado ao Tesouro Direto, diz a sócia Mônica Saccarelli. Com o ajuste, no segundo dia de paralisação, em meados de agosto, já estava no ar a possibilidade de se agendar uma transação para o mesmo dia — o site do Tesouro só prevê tal programação para datas futuras. Como referên- cia para o investidor, a instituição divulga as taxas da véspera.

“Tivemos que fazer um ajuste rápido para não frustrar a experiência do investidor”, diz.

Na Gradual, o investidor tem agendado as aplicações pela corretora, que usa uma tela de administrador para fazer a aquisição em nome do cliente, diz o chefe comercial da mesa de operações, Pedro Afonso. A instituição fornece parâmetros de preços pelas negociações no secundário, mas as condições só são conhecidas pelo cliente depois. Ele sugere evitar a compra direta e lembra o caso Corval, corretora que lesou investidores em 2014 ao estimular a transferência da custódia da bolsa para a própria corretora.