Valor econômico, v. 17, n. 4091, 15/09/2016. Brasil, p. A4

Estados ameaçam boicotar revisão da dívida no Senado

Governadores querem R$ 7 bilhões; Tesouro é contra

Por: Vandson Lima e Fábio Graner

 

Está sob sério risco no Senado o projeto que renegocia a dívida de Estados com a União. Insatisfeitos com o tratamento do governo federal às suas demandas, governadores de Estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste articulam um boicote à medida e já colhem apoios entre os senadores. A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, no entanto, diz que o governo federal tem que cumprir sua meta fiscal e rechaça qualquer ajuda adicional. "Não vamos reabrir nenhuma negociação além da feita no projeto", garantiu ao Valor.

Ana Paula argumenta que, apesar das reclamações de que apenas Estados do Sul e Sudeste se beneficiam da medida, a renegociação com o BNDES beneficia muito Norte, Nordeste e Centro-Oeste. "Para renegociar o BNDES precisa aprovar a lei", diz, informando que o volume envolvido nesses financiamentos é de em torno de R$ 5 bilhões.

Na perspectiva mais otimista, o projeto ao menos sofrerá alterações em relação ao texto aprovado na Câmara em agosto - o que obrigatoriamente o levará a retornar à análise dos deputados, tornando imprevisível quando ocorrerá, se ocorrer, sua transformação em lei.

Senador pela Bahia, Otto Alencar (PSD-BA) diz que vai militar contra a proposta. "Não haverá nenhuma vontade política nossa de votar a renegociação no Senado. Eu vou trabalhar intensamente para não aprovar. Não é possível que São Paulo possa renegociar uma dívida de R$ 221 bilhões, com todas as vantagens, e Estados que não devem praticamente nada sejam desprezados".

A contrariedade dos parlamentares dessas três regiões pode minar qualquer possibilidade de avanço da matéria. Como o número de vagas no Senado é distribuído igualitariamente - 3 senadores por Estado -, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que representam 20 das 27 unidades federativas, somam 60 dos 81 votos da casa.

"Para Estados que não têm dívidas, o benefício com a renegociação não ocorreu. As medidas atenderam Estados poderosos, enquanto os outros estão administrando uma situação de pré-falência. Isso precisa ficar claro. O diálogo não está ocorrendo nesse rumo", aponta o senador Agripino Maia (DEM-RN), que acompanhou os encontros anteontem com os chefes do Judiciário, daCâmara e com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Para complicar ainda mais o trâmite da proposta, a relatoria caiu justamente na mão do pernambucano Armando Monteiro (PTB) - ministro do governo da ex-presidente Dilma Rousseff e um crítico da renegociação chancelada pelos deputados. "Existe sim, e não é de agora, uma frustração de governadores nossos. O projeto premia Estados mais desajustados do ponto de vista financeiro", aponta.. Há necessidade de se melhorar as contrapartidas exigidas no projeto".

Sobre o possível boicote, Monteiro diz ver uma janela de oportunidade para o governo evita-lo, mas é preciso que o socorro aos Estados venha. "A União, mesmo nesse contexto difícil, socorreu o Rio de Janeiro. Se isso vai a ponto de fazer uma ação política para bloquear o projeto, há espaço para negociar essa compensação, para premiar Estados que tiveram um melhor desempenho".

À equipe econômica do governo, os governadores pediram uma antecipação de R$ 7 bilhões, que viriam da regularização de recursos não declarados no exterior como forma de compensar a perda de R$ 14 bilhões do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Vescovi lembra que as três regiões serão as mais beneficiadas com a partilha desses recursos. Sem projetar quanto vai ingressar nos cofres públicos, a secretária explicou que a parcela relativa a Imposto de Renda é dividida com os Estados e 85% desse montante vai para Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

O grupo informou a Meirelles que 14 Estados do Norte e Nordeste devem decretar calamidade pública nas finanças estaduais na próxima semana, caso não recebam uma ajuda da União.

Ana Paula afirmou que os problemas nas finanças estaduais, além da queda das receitas, têm como principal origem o aumento grande nas despesas com pessoal. A secretária informou que, a depender da performance da repatriação em termos de geração de receitas, o governo federal poderá quitar um atraso de R$ 1,95 bilhão referente à compensação pelas perdas dos Estados exportadores com a Lei Kandir (FEX) em 2014. Segundo ela, a parcela deste ano já foi paga.

Em relação ao pedido de crédito pelos Estados, Ana Paula diz que houve um problema em decorrência da greve dos servidores do Tesouro. Ela informa que 11 Estados estão com classificação de risco B, que permite se habilitar para obter a autorização. A maioria deles é das regiões que cobram ajuda.

Questionada se não havia nenhuma outra alternativa para socorrer os Estados, Ana Paula foi taxativa: "A alternativa é recuperar a confiança e o crescimento econômico. Para isso o mais importante é cumprir as metas fiscais".