Valor econômico, v. 17, n. 4091, 15/09/2016. Especial, p. A12

Lula é denunciado por corrupção e lavagem

Ministério Público Federal disse que ex-presidente comandava esquema de desvios na Petrobras

Por: André Guilherme Vieira

 

Denunciado ontem por corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o tríplex do edifício Solaris, no Guarujá (SP), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi acusado pelo Ministério Público Federal de ser "o comandante máximo do esquema de corrupção na Petrobras", "o grande general" e "o único vértice comum de esquemas de corrupção disseminados em vários esquemas em órgãos públicos", segundo o coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol.

"Lula estava no topo da pirâmide do poder", afirmou o procurador, em mais de duas horas de entrevista coletiva que contou com a participação dos 13 procuradores que atuam na primeira instância da Lava-Jato.

Lula e outros sete denunciados, entre os quais a ex-primeira-dama Marisa Letícia, o sócio da OAS Léo Pinheiro e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, são acusados de desvios de recursos públicos de R$ 87,6 milhões em três contratos da OAS mantidos com as refinarias Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco.

Lula é acusado de ter enriquecido ilicitamente, por meio de lavagem de R$ 3,7 milhões, que envolve reformas estruturais e da cozinha do tríplex, a aquisição de eletrodomésticos para o apartamento, além de 61 pagamentos feitos pela OAS, em contrato ideologicamente falso, para que a transportadora Granero armazenasse bens pessoais do ex-presidente.

O MPF pediu ao juiz federal Sergio Moro, que vai decidir se abre processo penal contra os oito acusados, que Lula seja condenado pelo "perdimento do produto e proveito dos crimes, ou do seu equivalente (...) no montante de R$ 87,6 milhões, correspondente ao valor da porcentagem da propina em razão dos Consórcios Conpar e Conest pela Petrobras".

Segundo a procuradoria da República no Paraná, Lula foi o beneficiário de um "caixa geral de propinas", montado a partir dos contratos obtidos por todas as empresas acusadas de envolvimento no esquema da Petrobras e gerenciado por várias pessoas. "Os pagamentos saíram do caixa geral, uma verdadeira poupança de recursos criminosos", disse o procurador.

Esse dinheiro tinha destinos distintos, segundo os investigadores. Uma parcela era redirecionada para pagamentos a autoridades públicas, como os ex-diretores da Petrobras processados na Lava-Jato. Outra parte da verba do caixa geral seguia para os partidos políticos que davam sustentação aos diretores corrompidos da estatal.

Um fração dos valores também "era direcionada a benefícios esparsos deduzidos do caixa geral de propinas do PT, como para as obras do tríplex e para custear a manutenção da mudança do ex-presidente Lula".

Os procuradores afirmam dispor de provas de que o dinheiro que seria propina revertida a Lula teve origem em contratos da OAS com a Petrobras. "O caixa geral do partido recebia verbas federais, mas não apenas da Petrobras", disse o procurador da República Roberson Pozzobon. Os procuradores destacaram que a OAS firmou contratos com a administração federal que totalizaram R$ 7 bilhões, "dos quais cerca de 70% se referem a negócios mantidos com a petrolífera"

Dallagnol definiu o esquema de coalizão de partidos durante os mandatos presidenciais de Lula como "propinocracia". "Havia três finalidades desse esquema de corrupção e propinocracia: a governabilidade corrompida, a perpetuação criminosa no poder e o enriquecimento ilícito",afirmou.

Segundo Dallagnol, "a expressividade do esquema só é compatível com o seu comando por Lula, triplamente beneficiado por ele [pelo esquema]".Na avaliação dele, "todas as provas analisadas até aqui são suficientes para colocar Lula no centro criminoso de comandante do esquema".

O procurador disse que Lula não só tinha ciência e controle de todo o esquema de corrupção, como poderia tê-lo interrompido se quisesse. Segundo Dallagnol, foi Lula que nomeou executivos e funcionários para cargos estratégicos na estatal, ainda durante a época do escândalo do mensalão, entre 2003 e 2005. "Sem o poder decisório de Lula, não teria havido esquema criminoso".

Para Dallagnol, tanto o mensalão como a corrupção na Petrobras são "as duas faces da mesma moeda". O MPF afirma que para obter o suporte dentro do Congresso, de políticos do PP, no início do governo, Lula indicou mandatários para cargos de destaque na administração, como para a diretoria comercial do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).

Durante a coletiva, Dallagnol afirmou que, quando a base aliada do governo Lula estremeceu com o mensalão, em 2005, o esquema passou a atender o PMDB com a nomeação de Nestor Cerveró. Antes, disse o procurador, Renato Duque foi nomeado para a área de Serviços para atender a interesses do PT, e Paulo Roberto Costa foi alçado à diretoria de Abastecimento da petrolífera para atender aos interesses financeiros do PP.Para imputar a Lula o que chamou de construção de "governabilidade criminosa", o Ministério Público contou com delações de Pedro Correa, Sérgio Machado, Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Fernando Baiano e Alberto Youssef.

O procurador fez duras críticas ao que considera uma "conspiração de Lula contra a Lava-Jato".

"Na Lava-Jato, interceptações revelaram que [Lula] conspirou contra. Foi ainda acusado de ter agido para calar [o ex-diretor de Internacional da Petrobras] Nestor Cerveró (...) Sua postura em relação ao mensalão foi de desqualificação, negação e dissimulação. Deu entrevista reconhecendo caixa dois quando se tratava de um esquema de pagamento de propinas", acusou o procurador.

Indagado pelo Valor se os atos de lavagem e corrupção atribuídos a Lula não podem ser interpretados pelos opositores da Lava-Jato fragéis em termos de prova, Dallagnol sinalizou que o MPF dispões de um conjunto probatório mais amplo.

"É apenas a primeira resposta em relação aos crimes praticados por Lula, e que restaram comprovados. O trabalho não acabou, as investigações continuam".

Segundo o procurador, dos cerca de R$ 30 milhões pagos ao Instituto Lula e à LILS, pessoa jurídica do ex-presidente Lula, a título de remuneação em palestras, R$ 7 milhões foram destinados pessoalmente ao ex-presidente.

As investigações sobre a propriedade do sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP) e as remunerações por palestras ainda estão em andamento e deverão resultar em novas acusações contra Lula.

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Ex-presidente sobe o tom contra força-tarefa

Por: Cristiane Agostine


 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu com indignação, mas sem surpresa, a denúncia apresentada ontem pelo Ministério Público Federal contra ele e sua mulher Marisa Letícia. O ex-presidente subirá o tom dos ataques à força-tarefa da Lava-Jato e hoje fará um pronunciamento público para criticar a atuação dos responsáveis pelas investigações.

O comando do PT acusou a força-tarefa da Lava-Jato de fazer uma perseguição ao ex-presidente para inviabilizar sua candidatura à Presidência em 2018. Os petistas devem fazer denúncias a entidades internacionais contra o Ministério Público Federal, que acusou ontem Lula de ser o "comandante máximo do esquema de corrupção" na Petrobras.

Hoje Lula se reúne com o Diretório Nacional do PT, em São Paulo, para discutir a denúncia oferecida pelo MPF de corrupção e lavagem de dinheiro na reforma do tríplex do Guarujá, bancada pela OAS.

O petista estava reunido ontem com lideranças do PT e intelectuais em um hotel em São Paulo quando começaram a ser divulgadas as notícias sobre a denúncia do MPF. Durante o encontro de quase sete horas, foi debatido a falta de rumo do PT depois do impeachment de Dilma Rousseff e o futuro do partido. Segundo relatos de participantes da reunião, o ex-presidente ficou especialmente irritado com a denúncia contra sua esposa. Pelo Twitter, Lula comparou-se ao ex-presidente Juscelino Kubitschek (1900-1976), acusado de ser dono de imóvel em nome de um amigo.

Petistas saíram da reunião com um discurso parecido: a denúncia já era esperada e o objetivo da Operação Lava-Jato é tornar Lula inelegível, para não disputar em 2018. O presidente do PT, Rui Falcão, disse que é "mais um episódio de perseguição" e que há uma tentativa de criminalização de Lula.

"Está mais do que comprovado que Lula nunca foi proprietário de apartamento, nunca se beneficiou ilegalmente de nada usando seu cargo, então é mais um episódio de perseguição", afirmou Falcão. "Trata-se de tentar interditar o ex-presidente, que não cometeu nenhum crime, não se beneficiou de nada em sua trajetória, não é proprietário de apartamento, nem de sítio e insiste-se em atribuir a ele esse tipo de ilegalidade", disse. Questionado se Lula será candidato em 2018, o presidente do PT desconversou. "Ele não é candidato na medida em que não estamos lançando candidaturas agora. O PT vai ter que refletir, discutir e ver o que acontece até lá", disse.

Para o senador Lindbergh Farias (RJ), a denúncia foi um "escândalo", um "espetáculo". "É a continuidade do golpe, que começou com o impeachment de Dilma. Estamos a 15 dias das eleições e apresentam uma denúncia sem provas. É o calendário político que faz eles se moverem", disse, em referência à força-tarefa. "É um absurdo. O procurador [Deltan Dallagnol] mais parecia um parlamentar do PSDB ao fazer a acusação", afirmou.

Presente ao encontro, o jornalista Eric Nepomuceno disse que Lula estava triste, mas não surpreso. "O objetivo final do golpe [impeachment] não era Dilma, mas sim o Lula. Não precisam prendê-lo, é só torná-lo inelegível". O escritor Fernando Morais reiterou: "Não é surpresa alguma. Esse golpe só faz sentido se inviabilizarem Lula para 2018". Entre os presentes estavam também os governadores Tião Viana (Acre) e Wellington Dias (Piauí), o dirigente do Instituto Lula Paulo Vanucchi, o ex-secretário especial Marco Aurélio Garcia, e lideranças petistas como Renato Simões e Valter Pomar.

Na reunião de ontem, Lula e o presidente do PT defenderam mudanças no comando do partido, com o fim da eleição direta para a escolha de dirigentes, e a antecipação em seis meses da troca do presidente da legenda e da Executiva petista, de novembro de 2017 para maio. O ex-presidente deixou claro que não quer assumir a presidência do PT.

Foi extinto o processo de eleição direta (PED), sempre propagandeado pelo PT como um diferencial em relação aos outros partidos, por ser a única legenda que permite a participação de todos os filiados na escolha do presidente dos diretórios e da Executiva. O grupo majoritário do PT, a antiga Construindo Um Novo Brasil, resistia à extinção da eleição direta, mas ontem o próprio presidente do PT e Lula encamparam a proposta. "Há muito tempo a eleição direta não estava sendo boa para o PT. A escolha pelo congressoserá mais politizada. O PT vai voltar ao que era no começo", disse Lindbergh.

Falcão afirmou, se houver concordância dos dirigentes, o PT convocará um congresso para maio do próximo ano para escolher o próximo presidente do partido. Serão os delegados -e não mais todos os filiados - que elegerão o comando da sigla. Segundo o presidente do partido, se houver resistência, será marcada uma data para a eleição interna, prevista inicialmente para novembro.

Entre os cotados para a presidência do PT estão ex-ministros Gilberto Carvalho, Jaques Wagner, Alexandre Padilha e Humberto Costa (PE), além de lideranças petistas como o senador Lindbergh Farias (RJ), o deputado José Guimarães (CE) e o presidente do PT-SP, Emídio de Souza.

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Defesa de petista diz que não há provas de crimes

Por: Letícia Casado, Fernando Taquari e Cristiane Agostine


 

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o petista e sua mulher, Marisa Letícia, por corrupção e lavagem de dinheiro, é uma "peça jurídica de inconsistência cristalina".

O advogado Cristiano Zanin Martins afirmou que a denúncia perdeu-se em meio ao "deplorável espetáculo de verborragia da manifestação da força-tarefa da Lava Jato". Segundo Zanin, o MPF elegeu Lula como "comandante máximo" do esquema de corrupção, mas não apresentou provas dos crimes imputados. "Um novo país nasceu hoje sob a batuta de [procurador] Deltan Dallagnol e, neste país, ser amigo e ter aliados políticos é crime", afirmou o advogado.

"Não foi apresentado um único ato praticado por Lula, muito menos uma prova. Desde o início da Operação Lava Jato houve uma devassa na vida do ex-presidente. Nada encontraram. Foi necessário, então, apelar para um discurso farsesco", acrescentou Zanin.

A defesa argumentou ainda que a tese de acusação, baseada em responsabilidade objetiva, é incompatível com o direito penal. "O grosso do discurso de Dallagnol não tratou do objeto da real denúncia", disse o advogado. Zanin reiterou que o petista e a mulher, Marisa Letícia, não são os proprietários do imóvel no Guarujá e por isso não poderiam ser beneficiários de qualquer reforma.

Na noite de terça-feira, em entrevista ao Valor Zanin foi categórico ao se referir ao suposto conhecimento do ex-presidente sobre o esquema de corrupção na Petrobras, ponto central na denúncia. Segundo o advogado nem Lula, "nem o Ministério Público, nem a Polícia Federal, nem o TCU, nem a imprensa" sabiam dos delitos.

" Nunca houve nenhum apontamento em relação a esses atos. Se isso não ocorreu nesses órgãos especializados, por que o ex-presidente tinha que saber o que se passava lá dentro?", disse Zanin.

Zanin também rebateu os argumentos do MPF de que diversos delatores falaram sobre a participação de Lula no esquema de corrupção na Petrobras. "São pessoas condenadas por participar de organização criminosa e que não souberam narrar um único ato praticado pelo ex-presidente."

O advogado disse ainda que o fato de o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, "com a relevância que tinham" no esquema não narrarem "um único ato" de Lula no esquema, "mostra que o ex-presidente nunca participou desta suposta organização criminosa".

Para o advogado, os processos de delação não estão seguindo os processos legais ao aceitar referências esparsas sobre algumas pessoas. "Se [as delações] foram aceitas para amenizar pena de criminoso, foram indevidamente aceitas. o agente do estado tem autorização legal para reduzir pena dentro de estrutura rígida", disse.

Zanin disse que faltam provas - materialidade - no indiciamento da PF que gerou a denúncia contra o ex-presidente.

Em nota, o Instituto Lula afirmou que "desde 30 de janeiro de 2016, Lula tornou públicos os documentos que provam que ele não é dono de nenhum apartamento no Guarujá. Lula esteve apenas uma vez no edifício, quando sua família avaliava comprar o imóvel. Jamais foi proprietário dele ou sequer dormiu uma noite no suposto apartamento que a Lava-Jato desesperadamente tenta atribuir ao ex-presidente".

O advogado Fernando Fernandes, que representa o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, também denunciado ontem, afirmou em nota que o Ministério Público "criou uma corrupção em que não há vantagem ilícita". Segundo a nota, a empresa OAS pagou de forma legal os custos para a conservação do acervo do ex-presidente.