Valor econômico, v. 17, n. 4092, 16/09/2016. Especial, p. A12

"Precisamos devolver a estabilidade política"

Para ACM Neto, crise pode piorar sem aprovação do ajuste fiscal

Por: Paulo Totti

 

O prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), está, como afirma, "mergulhado" na campanha pela reeleição, mas se considera preocupado com a situação nacional. "Ninguém pode dizer que já chegamos ao fundo do poço", disse em entrevista aoValor. A crise, segundo ACM Neto, pode piorar se Executivo e Legislativo não entrarem num acordo para aprovar as medidas de ajuste fiscal propostas pelo governo, sobretudo a PEC que limita a expansão de gastos do setor público. A aprovação aliviaria os efeitos da crise econômica e o entendimento com o Congresso contribuiria para a estabilidade política.

Para ACM Neto, "ninguém vai investir num país em que a instabilidade política é a regra dominante. Devolver estabilidade política ao país é o que mais precisamos agora".

ACM Neto considera também que é uma irresponsabilidade os partidos da base do governo começarem "sequer a pensar" agora na sucessão presidencial de 2018. "O Brasil vive ainda um momento muito grave, é preciso superar a crise, virar a página e só pensar na eleição de 2018 em 2018", enfatizou. Mais adiante, porém, depois de prever que a aliança do DEM com o PSDB pode continuar, "mas não necessariamente", afirmou que seu partido pode começar a pensar em candidato próprio à Presidência logo após as eleições municipais. "O nome do senador Ronaldo Caiado é bastante lembrado", disse.

ACM Neto disse também que cortou gastos na prefeitura e que o "severo equilíbrio fiscal" permitiu ter dinheiro em caixa para investimentos nas áreas de educação, saúde e infraestrutura.

O prefeito está otimista quanto à reeleição - pesquisas recentes dão-lhe mais de 60% dos votos - e diz que isso é fruto de seu trabalho de quatro anos. A entrevista foi concedida no banco traseiro do carro que levou ACM Neto ao encontro de eleitores no bairro de Itapuã, no extremo norte da orla de Salvador, e, no outro lado da cidade, ao bairro de Cajazeiras, centro de uma região pobre com mais de 600 mil habitantes, onde participaria de uma carreata. Em Itapuã, participou de comício nas escadarias de um templo batista, sob a ovação de fiéis evangélicos. O candidato previu que o PRB "terá muito futuro" e não esqueceu, no discurso, a deputada Tia Eron, originária do bairro. "Foi vereadora que me ajudou na prefeitura e em Brasília pronunciou a célebre frase 'ninguém manda nesta negra'". A plateia chegou ao delírio. Em outro momento, depois de listar as obras que realizou em Itapuã, disse: "Aqui tem um lugar lindo que está abandonado, a Lagoa de Abaeté. Mas ela não é da prefeitura. É do Estado. Se o Estado quiser passar para a prefeitura, eu aceito e vou cuidar dela".

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Otimista com a campanha e otimista com o país?

Antonio Carlos Magalhães Neto: A campanha vai muito bem e espero ganhar. Eleições municipais têm pautas locais e é um grave erro imaginar que se possa nacionalizá-las. Não fiz isso há quatro anos. Enfrentei Dilma [Rousseff] na Presidência, muito forte; [Luiz Inácio] Lula [da Silva], fortíssimo; o então governador Jaques Wagner, e num Estado em que o PT tem muita densidade eleitoral. E ganhei só tratando de temas locais. Apesar de um cenário nacional bastante conturbado e acirrado, penso que o elemento principal de decisão do eleitor a 2 de outubro será em torno de problemas locais. Em relação à política nacional, tudo vai depender da postura e da relação do Executivo com o Legislativo porque há uma expectativa de que se possam aprovar, ainda este ano, medidas que vão ter impacto, a médio e longo prazo, na restruturação da economia. Se essa expectativa for frustrada, é possível que haja uma agudização da crise econômica. Ninguém pode dizer que já chegamos ao fundo do poço.

Valor: O que está aí ainda pode piorar?

ACM Neto: Pode piorar. Se o Congresso não se entender com o governo e vice-versa, se as medidas de ajuste não forem aprovadas, sobretudo a PEC que limita a expansão dos gastos públicos, haverá inevitável reversão de expectativas. Ninguém vai investir num país em que a instabilidade política é a regra dominante. Devolver estabilidade política ao país é o que mais precisamos agora. Esta é a receita fundamental para a saída da crise. A classe política precisa dar sinais claros à sociedade e, em consequência, aos atores econômicos, de que tem consciência da sua responsabilidade. É claro que vai-se ter que pagar um preço, porque é impossível preparar omelete sem quebrar ovos. É um preço a curto prazo para se ter, a médio e a longo prazo, uma outra perspectiva para o país.

"Não há governo que consiga investir em educação, saúde, políticas sociais se não tiver as contas equilibradas"

Valor: O senhor está comemorando o fato de Salvador ter dado um salto de nove posições no Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb), ao passar do último lugar para o 17º entre as capitais brasileiras. Para isso o senhor aumentou os investimentos no ensino acima da inflação. O senhor acha que, com as restrições agora propostas ao Congresso, conseguiria esses resultados? Não só na área de educação, mas também na de saúde?

ACM Neto: No caso de Salvador, a situação é peculiar, porque a base era muito ruim. Quando assumi a prefeitura, a gestão anterior [prefeito João Henrique, então no PMDB, hoje no PR] não aplicava em educação nem os 25% determinados pela Constituição. Na saúde não aplicava os 15%. Nós investimos muito nas duas áreas. O orçamento de 2016, por exemplo, é R$ 500 milhões maior, em cada uma dessas áreas, do que era em 2012. Com um cenário de queda da arrecadação, ressalte-se. Foi possível elevar de 22,5% para 28% o orçamento da educação, de 12% para 20% o da saúde, porque fizemos o ajuste das contas da prefeitura. Se não tivesse promovido um equilíbrio severo das contas, não teria sobrado dinheiro, da metade para o fim do governo, para fazer o que fiz. Tive coragem de, mesmo sem ter nenhuma imposição legal, tomar medidas muito duras no começo, apertei o cinto, enxuguei a máquina, melhorei a qualidade do gasto e a eficiência da arrecadação. Isso permitiu investir também em infraestrutura. Salvador é, de todas as capitais do Brasil, a que mais investe com recursos próprios. Noventa e sete porcento das obras tocadas pela prefeitura vêm do dinheiro arrecadado pela prefeitura. Não há governo que consiga investir em educação, saúde, infraestrutura, habitação, políticas sociais, se não tiver as contas equilibradas. Não adianta o Brasil continuar pedalando porque uma hora o dinheiro acaba. Defendemos que os programas sociais sejam mantidos e até ampliados, mas para isso a casa tem que estar arrumada. Começamos a ampliar os investimentos já no início do governo, mas nos dois últimos anos é que eles deram um grande salto porque então já tínhamos dinheiro em caixa.

Valor: O senhor tem 15 partidos, o DEM e mais 14, na sua base de apoio. Como é que consegue lidar com tanta gente e tantos interesses?

ACM Neto: Não foi tão difícil. Já tinha a experiência de passar dez anos naquela grande universidade de política que é o Congresso Nacional. Depois, não aceitei que se estabelecesse o fatiamento da prefeitura, que se criassem ilhas partidárias. Desde o início anunciei que escolheria os melhores. Os partidos não indicaram quem eles quisessem. Eu dizia: Tragam alguns nomes e eu vou escolher. Se nenhum me agradar, terão que trazer outros. Ponto. Isso em algumas áreas. Em outras sequer consultei os aliados. É possível conciliar. Cem porcento dos projetos que mandei para a Câmara foram aprovados. Sou político, atendo o vereador, vou ao bairro, apoio o vereador. De outro lado, o vereador lá do bairro me apoia. O apoio parlamentar vale ainda mais no plano federal. O apoio parlamentar deriva da popularidade do gestor do poder executivo. Se o chefe do Executivo está bem avaliado, se as pessoas acreditam, confiam no trabalho, ele tem o respaldo parlamentar.

Valor: O que o senhor diz dos ministros do governo Temer? Muitos deles foram indicados por parlamentares.

ACM Neto: Você não pode comparar a composição de um governo eleito, que se dá a partir de um pacto com as urnas, e a composição rápida de um governo que resulta de um processo de impeachment. Uma coisa é você disputar eleição, ganhar, e compor um governo. Eu talvez não fizesse todas as escolhas que Temer fez. Na área econômica Temer acertou 100%. Entendo que ele teve muitas limitações, mas entendo também como cidadão que, superada a fase de transição, ele possa ir fazendo ajustes no governo, ir melhorando a qualidade das pessoas que ocupam cargos estratégicos. É impossível, repito, comparar a situação de quem se elege, está ali legitimado totalmente para compor um governo de acordo com a sua plataforma, com a situação de quem chega ao governo a partir de um processo de impeachment.

Valor: O senhor não acha que o governo parece confuso? Anuncia que vai enviar a reforma da Previdência Social só depois das eleições municipais, depois volta atrás, e agora não se sabe bem o que e quando vai enviar. Fala em jornada de trabalho de 12 horas, depois diz que não é bem assim. Não há amadores no meio de tantas raposas políticas que foram para dentro do Palácio do Planalto?

ACM Neto: Acho que está faltando, primeiro, organizar a comunicação. Depois, é preciso ter uma sintonia maior entre quem pode e quem não pode falar pelo governo. Não é saudável criar expectativas em torno de assuntos tão sensíveis mas que ainda não estão resolvidos ou amadurecidos dentro do próprio governo. Tem que haver um consenso prévio. Acho, sim, que há defeitos, falhas graves na comunicação.

Valor: O fato de seu correligionário Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ter afirmado que Temer poderia ser candidato em 2018 não provocou ciumeira do PSDB, que a partir daí se tornou mais agressivo, mais exigente?

ACM Neto: Foi uma opinião isolada. Quem está próximo do presidente sabe que não passa pela cabeça dele ser candidato em 2018. Ouvi do próprio presidente a afirmação de que não tem nenhuma pretensão de continuar após 1º de janeiro de 2019. E eu acredito nisso. A decisão dele distensiona o ambiente e deixa de lado qualquer tipo de conflito de interesses. O Brasil não pode mais viver sob conflito de interesses. Seria irresponsável por parte dos partidos da base começar agora a pensar, e eu digo, sequer pensar, nas eleições de 2018. O Brasil vive ainda um momento muito grave, é preciso superar a crise, virar a página e só pensar na eleição de 2018 em 2018. Até porque o cenário está muito embolado. Quem disser que consegue enxergar o que vai acontecer em 2018 está fazendo tentativa de adivinhação.

Valor: Seu contato com Michel Temer é frequente?

ACM Neto: Nos últimos dias não, pois estou mergulhado na campanha. Mas temos uma relação boa desde a Câmara dos Deputados. Fui vice-presidente e corregedor da Câmara, no último período em que ele foi presidente lá. Descascamos vários abacaxis juntos. A partir daí mantivemos sempre um bom diálogo. Agora, em 2015, quando Temer foi o articulador político do governo, propostas de ajuste fiscal tiveram meu apoio e do meu partido no Congresso. Não vou a Brasília pedir favor pessoal, não indiquei ninguém para o governo nem fui consultado. Espero receber do governo Temer a atenção que o governo anterior não dispensou a Salvador. Na semana passada, aliás, essa atenção começou a concretizar-se com a liberação de R$ 408 milhões para a primeira etapa da obra do BRT de Salvador, que estavam congelados no governo Dilma.

Valor: A Bahia depende muito do apoio federal para preservar seu valioso patrimônio cultural. Fala-se-se muito em cortes nessa área.

ACM Neto: Se isso acontecer será um grande equívoco. Falo no interesse do Brasil e não só de Salvador. Tenho confiança de que não vai acontecer. Tive a melhor impressão do novo ministro da Cultura [Marcelo Calero], a quem não conhecia. Me pareceu muito equilibrado.

"O Brasil vive ainda um momento muito grave, é preciso superar a crise e só pensar na eleição de 2018 em 2018"

Valor: Em seu primeiro mandato como prefeito o senhor se dedicou quase que exclusivamente a Salvador. A partir de agora vai intensificar seus contatos com o interior do Estado, já pensando em 2018?

ACM Neto: Primeiro preciso me reeleger. Apesar do quadro das pesquisas ser o melhor possível, a palavra de ordem é trabalhar, trabalhar, para vencer no primeiro turno. A vantagem é que venho trabalhando há quatro anos em benefício da cidade e reeleição é consequência disso. Tenho gravado mensagens de apoio a candidatos do interior, mas meu foco é Salvador. O futuro só vai ser tratado quando se tornar presente.

Valor: O senhor tem 37 anos. Pensa em, ainda antes de atingir os 50, ser o primeiro do seu partido a chegar à Presidência?

ACM Neto: Presidência não é um projeto, é destino. Do que menos depende é da sua vontade. É claro que precisa ter vontade, mas não fico com devaneios, sonhando com o depois de amanhã. Comigo é primeiro hoje, depois amanhã e depois o depois de amanhã. Mas acho que o Democratas, sim, tem que ter um projeto de poder nacional. O partido tem que ter a coragem de, a médio ou longo prazo, disputar a Presidência da República. Temos vários quadros capacitados. Pode ser que já em 2018 um quadro nosso dispute a Presidência. O nome do senador Ronaldo Caiado, por exemplo, é bastante lembrado. Passada a eleição municipal, vamos tratar dessa hipótese.

Valor: O DEM está sempre ao lado do PSDB. Há alguma diferença entre os dois partidos?

ACM Neto: São partidos diferentes, com quadros muito diferentes. O que aproximou Democratas e PSDB ao longo destes anos foi a atividade de oposição desde 2003, quando Lula assumiu a Presidência. Isso fez com que houvesse uma aliança, inclusive eleitoral, ao longo desse período, o que não quer dizer que os dois partidos sejam iguais ou mesmo parecidos. Há diferenças nas características e na dinâmica interna de decisão. O Democratas é um partido muito congressual. As decisões do PSDB passam pela influência dos governadores. Isso deu ao Democratas maior liberdade para ser uma oposição mais firme. Apesar de o DEM ser metade do PSDB em termos numéricos, o partido conseguiu aparecer tanto quanto o PSDB na atividade de oposição. A médio e longo prazo, podem até continuar juntos, mas não necessariamente. Na Bahia temos uma relação muito próxima com o PSDB. O partido esteve ao meu lado na eleição de 2012 e está comigo agora. É um parceiro.

Valor: Essa mesma relação de confiança existe com outro aliado, o PMDB?

ACM Neto: A partir do momento em que nos tornamos parceiros [o PMDB de Geddel Vieira Lima apoiou ACM Neto no segundo turno em 2012], nunca tivemos problemas aqui na Bahia. A nossa relação é a melhor possível. Exemplo maior é a escolha do meu candidato a vice, deputado Bruno Reis, que, apesar de ser muito ligado a mim, ter sido meu assessor parlamentar, é um quadro do PMDB.

Valor: O senhor se incomoda quando dizem que o DEM é um partido de direita?

ACM Neto: De jeito nenhum. Mas não concordo que exista essa divisão ideológica de direita e esquerda no Brasil. Esse debate acabou sendo superado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele buscou políticos que supostamente seriam de direita e que assumiram políticas sociais que poderiam ser consideradas de esquerda, como o Bolsa Escola que deu origem ao Bolsa Família, a universalização do acesso ao ensino básico, o seguro desemprego. Já o Lula, no primeiro mandato, executou uma política econômica ortodoxa que muitos consideram de direita. Essa distinção pode ser mais clara e existir nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, não. De minha parte, prefiro fazer a divisão entre bom e mau gestor. No meu entender, bom gestor não é só o bom técnico, ele precisa ter também sensibilidade política. O sujeito pra ser prefeito, governador, presidente, tem que conciliar as duas virtudes. E este foi um dos problemas da Dilma. Dizia-se que ela era muito boa técnica, o que nunca achei por causa de seus traços centralizadores. Uma coisa todo mundo sabia, que ela não tinha sensibilidade política. E isso contribuiu para o impeachment.

Valor: Percebe-se que o senhor conhece Salvador muito bem, da orla até o subúrbio ferroviário e a região de Cajazeiras. Mas sua principal adversária, Alice Portugal, do PCdoB, diz que o senhor nunca na vida andou de ônibus.

ACM Neto: Em primeiro lugar, ela é muito preconceituosa. Em segundo, não conhece minha história. É óbvio que andei de ônibus quando era mais jovem, mas isso não é pré-requisito para ser prefeito. Eu fiz pela população carente mais do que qualquer outro prefeito de Salvador. Não precisa nascer em bairro pobre para isso. Desde os dez anos ajudei minha mãe na loja de produtos da Bahia que ela tinha. Quando entrei pra faculdade de direito da Universidade Federal da Bahia, montei uma empresa de eventos com uns amigos, depois fiquei três anos como assessor na Secretaria de Educação. Um ano depois de me formar, disputei a Câmara federal, mandato para o qual me elegi três vezes.