Valor econômico, v. 17, n. 4092, 16/09/2016. Brasil, p. A2

Países do Mercosul avaliam as sanções que poderão ser impostas à Venezuela

Por: Fabio Murakawa e Marsílea Gombata

 
 

O Brasil tem a expectativa de que a Venezuela não cumprirá o prazo de 1º de dezembro dado pelos membros fundadores do Mercosul para concluir a incorporação do acervo normativo do bloco. Além da falta de vontade política demonstrada até aqui por Caracas, isso depende dos votos da Assembleia Nacional, amplamente dominada pela oposição. Ainda persistem, no entanto, dúvidas a respeito de que tipo de sanção será aplicada a Caracas, caso isso realmente ocorra.

O governo de Nicolas Maduro ignora o ultimato e segue um calendário de eventos planejado para o período em que lhe caberia a presidência do bloco, até janeiro de 2017. Esse calendário só vinha sendo obedecido pela Bolívia, que é membro associado, e o Uruguai, até anteontem refratário à ideia de que a Venezuela não assumisse o posto. A expectativa dos próprios venezuelanos é que Montevidéu deixe agora de segui-lo.

O descumprimento dos prazos para a incorporação das normas do Mercosul foi a razão alegada por Brasil, Paraguai e Argentina para impedir que os venezuelanos assumissem a presidência rotativa do bloco neste semestre.

Presidentes e chanceleres dos três países têm mencionado a delicada situação política e econômica venezuelana - com opositores presos e Maduro lutando para impedir a realização de referendo para revogar seu mandato, em meio a grave escassez de alimentos e remédios e inflação fora de controle.

Na terça-feira, em declaração conjunta, os países-membros informaram que adotarão em colegiado "as decisões necessárias em matéria econômica e comercial e outras matérias essenciais". O documento informa que esse consenso foi atingido com "o apoio explícito" de Argentina, Brasil e Paraguai e a abstenção do Uruguai.

"A persistência do descumprimento a partir da data assinalada no artigo anterior implicará o cessamento do exercício dos direitos inerentes à condição de Estado Parte do Mercosul, até que os Estados Partes signatários do Tratado de Assunção convenham com a República Bolivariana da Venezuela as condições para restabelecer o exercício de seus direitos como Estado Parte", diz o comunicado.

Para o embaixador da Venezuela no Mercosul, José Félix Rivas Alvarado, o comunicado "viola o marco legal do Tratado de Assunção" e não retira o direito do país em deter a presidência rotativa agora. "Para nós, a presidência está, por direito, nas mãos da Venezuela. O país está dentro da institucionalidade e legalidade do bloco", afirmou ao Valor. "No fundo, a ideia deles é tirar a Venezuela do bloco porque não pensamos igual e consideramos o livre comércio uma armadilha à independência dos povos e um negócio vantajoso para as transnacionais."

O prazo dado aos venezuelanos dado não é casual. Até 1º de dezembro estará mais claro se o governo Maduro permitirá ou não a realização do "recall" - chamado no país de "referendo revogatório" - até 10 de janeiro, quando se encerra a primeira metade de seu mandato de seis anos.

Se o referendo for realizado antes dessa data, haverá eleições diretas para presidente. Mas, se ocorrer depois, assume o vice-presidente, que no país é nomeado a qualquer momento pelo presidente. Na prática, o chavismo poderia se articular para escolher o vice de Maduro e continuar governando o país, mesmo que as urnas decidam pela interrupção de seu mandato.

Oficialmente, a postura do governo brasileiro é de aguardar para ver se a Venezuela vai ou não concluir a incorporação do acervo normativo do bloco até o fim do prazo. Fontes em Brasília disseram não saber ainda qual será a sanção aplicada. O país pode tanto ser rebaixado à condição de membro associado, como é o caso da Bolívia, como pode também ser suspenso do bloco.

A situação será reexaminada em 1º de dezembro e não é descartada a aplicação da cláusula democrática contra Caracas. Avalia-se, porém, que seria difícil obter o apoio dos uruguaios, que já relutaram muito em aceitar que os venezuelanos não assumissem a presidência rotativa.