Valor econômico, v. 17, n. 4092, 16/09/2016. Política, p. A8

"Provem corrupção que irei a pé ser preso"

Lula faz pronunciamento emocionado e desafia força-tarefa

Por: Cristiane Agostine e Estevão Taiar

 

Um dia depois de ter sido denunciado pelo Ministério Público Federal, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desafiou ontem a força-tarefa da Lava-Jato a apresentar provas das acusações. Lula fez um discurso emocionado e, depois de chorar, disse que se for confirmado algum ato de corrupção envolvendo seu nome, "irá a pé' para ser preso. O ex-presidente criticou o MPF e a Polícia Federal, afirmou que ninguém está acima da lei e pediu respeito a ele e a sua família, sobretudo a sua esposa, Marisa Letícia.

Cercado de lideranças do PT e do PCdoB e de movimentos populares, das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, o ex-presidente falou para cerca de 150 jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas, no Hotel Jaraguá, região central de São Paulo. Vestido com uma camisa vermelha do PT, o petista chorou três vezes, embargou a voz em outros momentos e disse ter ficado indignado com a denúncia.

"Vou prestar quantos depoimentos forem necessários. Podem me chamar que eu vou lá, porque se tem uma coisa que eles têm que aprender é que a única coisa que tenho orgulho é que conquistei o direito de andar de cabeça erguida nesse país", disse, em meio a lágrimas. "Provem uma corrupção minha que irei a pé para ser preso. Eu sinceramente pensei que estava em outro país".

Lula fez comparações de sua trajetória a de figuras históricas como Tiradentes, Getulio Vargas, João Goulart e Juscelino Kubitschek, citou Jesus Cristo e Deus por quatro vezes.

"O que aconteceu? Às custas do que esse espetáculo? Às custas do que vender um produto que não tem como entregar. Desgastar minha imagem? Bobagem. São como as ideias de Tiradentes. Não adiantar matar, esquartejar e pendurar a carne no poste, as ideias ficaram pairando no ar e sobreviveram 30 anos depois, quando conquistamos a independência desse país", disse. "'Se a gente tirar o Lula da política, está resolvido nosso problema'. Pelo contrário. Vocês vão ter problema com o golpe que vocês deram."

O ex-presidente disse que a acusação faz parte de um enredo para destruir sua imagem e a do PT, que começou com o impeachment de Dilma Rousseff e que terá desfecho com sua eventual prisão. "Construíram uma mentira, uma inverdade como se fosse enredo de novela. Está chegando o fim do prazo. Já cassaram Dilma, [Eduardo] Cunha, agora precisa concluir a novela. Quem é o bandido e o mocinho? 'Vamos dar o fecho, acabar com a vida política do Lula. Não existe outra explicação para o espetáculo de pirotecnia que foi ontem", afirmou.

O petista disse que não pretende se comportar "como um cara perseguido", mas afirmou que no país poucas pessoas tiveram a vida investigada como ele. "Tenho uma história pública conhecida. Acho que só ganha de mim aqui no Brasil Jesus Cristo", afirmou.

O ex-presidente criticou as ações do MPF e da PF e disse que a credibilidade dessas instituições corre risco. "Os companheiros que compõem o corpo do Ministério Público têm que ficar muito atentos, para que meia dúzia de pessoas não estrague o histórico da instituição", disse. "A desgraça de quem conta a primeira mentira é passar a vida mentindo. Inventaram coisas que eu não tinha", afirmou, referindo-se ao tríplex do Guarujá, alvo da denúncia do MPF, e do sítio em Atibaia.

Lula reclamou especificamente do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, que o chamou de "comandante" de um grande esquema de corrupção na Petrobras, e reforçou: "Ninguém está acima da lei, nem o ex-presidente, nem o procurador da República, nem o delegado geral, o ministro da Suprema Corte." O petista afirmou ainda que Dallagnol tem apenas convicções e não provas de que tenha se corrompido.

Em seu discurso, o ex-presidente reclamou da falta de responsabilidade de servidores públicos concursados, em referência indireta os envolvidos na força-tarefa. "Muita gente que tem diploma universitário, que fez concurso, é analfabeto político. Não tem noção do que é governo de coalizão, do que é um partido ser eleito com 50 deputados e ter que montar maioria", disse. Em outra crítica indireta, desta vez à atuação política da força-tarefa, afirmou que "as pessoas achincalham muito a política", mas disse que "a profissão mais honesta é a do político". "Todo ano por mais ladrão que seja, tem que ir para a rua pedir voto. O concursado não tem que fazer isso. O político não, é chamado de filho da mãe, do pai, mas está lá pedindo outra vez emprego."

Ao desafiar novamente os investigadores, pediu que o deixassem e paz. "Quando eu transgredir a lei, me punam para servir de exemplo. Mas quando não transgredir, procurem a outro para criar problema." Durante o discurso, Lula criticou a devassa que a Lava-Jato teria feito em sua vida. "Vocês pensam que foi fácil suportar a invasão da minha casa pela Polícia Federal? Levantaram até o colchão da minha cama", disse, citando que agentes da PF levaram discursos dele, iPad e um celular de Marisa e não devolveram. Ao falar da ação da PF contra seus filhos, emocionou-se.

"Querem me investigar? Investiguem. Só quero que sejam verdadeiros comigo, que sejam honestos comigo, que respeitem a dona Marisa", disse, emocionado. "Não conheço os parentes desses meninos, mas certamente não são melhores do que a dona Marisa", afirmou, referindo-se aos agentes da Lava-Jato.

Aos petistas, Lula incentivou a "vestir a camisa" do PT e disse que não está desanimado. "Não tenho espaço para ficar triste. Sei o que é domingo de manhã de chuva com cinco irmãos, na Vila São José, esperando hora do almoço, sem ter um bocado de feijão para colocar no fogo", disse, chorando. Em seguida, comentou que " só Deus" é capaz de fazê-lo parar de lutar.

O ex-presidente não falou sobre sua candidatura em 2018, mas disse que não tem tempo de parar. "A história mal começou. Alguns pensam que ela terminou, mas vou ainda viver muito. Estou com 70 anos e com vontade de viver mais 20. Estou me preparando." Em seguida, correu para os braços dos militantes que estavam na porta do hotel.