Valor econômico, v. 17, n. 4093, 19/09/2016. Política, p. A8

Cármen Lúcia define pauta de direitos individuais no Supremo

Por: Carolina Oms

 

Cerca de 600 processos estão prontos para julgamento do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Advogados, juízes de instâncias inferiores e todos aqueles que serão afetados pela decisão final da mais alta corte do país aguardam "a hora e a vez" em que seus processos estarão na pauta das sessões do plenário que acontecem às quartas e quintas-feiras no Supremo. Essa decisão depende agora da nova presidente do tribunal, a ministra Cármen Lúcia.

A primeira semana da ministra à frente do Supremo, suas conversas com ministros, ex-ministros e juristas já dão algumas indicações dos temas que esta mineira de Montes Claros quer pautar e como pretende conduzir os trabalhos do tribunal. A ministra deve priorizar pautas que afetem diretamente a vida do cidadão, como saúde, segurança, direito familiar.

Em sua estreia na semana passada, a presidente pautou discussões sobre o dever do Estado de fornecer medicamentos de alto custo, fora da relação fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo. Houve um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso e o debate foi interrompido. Uma decisão do Supremo afetaria não somente as vidas daqueles que dependem desses medicamentos, mas dos Estados e União que enfrentam uma enxurrada de liminares capazes de desorganizar as finanças públicas.

A personalidade firme da ministra também já começou a se impor durante as sessões do plenário. A tolerância com atrasos para o início das sessões é de apenas alguns minutos. Os horários previstos pelo regimento do Supremo serão seguidos. Além disso, a pauta não será mero indicativo, com uma grande lista de processos para os quais dificilmente haveria tempo efetivamente. Somente a inclusão na pauta obriga os advogados e procuradores a estarem presentes durante toda a sessão - muitas vezes vindo de outros estados apenas para assistir a horas de sessão.

As preferências e posições pessoais de Cármen não são, no entanto, garantias para sua atuação como magistrada. Religiosa, educada em colégio de freiras, Cármen costuma dizer que, no Supremo, sua "bíblia" é a Constituição. Cármen Lúcia votou a favor do aborto de anencéfalos, do reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo e da legalidade da Marcha da Maconha.

Segunda mulher a ocupar a presidência do Supremo e a primeira a usar calças compridas, até então um traje exclusivamente masculino, no plenário, em 2007, a presidente tem se posicionado com veemência contra a discriminação contra a mulher. "Há, sim, discriminação contra mulher. Há, sim, enorme preconceito contra nós mulheres em todas as profissões", disse a ministra ao colega Gilmar Mendes na semana passada.

No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde Cármen também é a nova presidente, a ministra quer fazer uma gestão voltada para a situação de mulheres presas. Cármen Lúcia quer, por exemplo, construir junto com os estados centros de proteção para que detentas grávidas possam ter os filhos fora da prisão. Mas isso tampouco significa que a ministra gostaria de ver seus dois anos como presidente definidos pela pauta feminista.

A presidente também gostaria que o Judiciário "voltasse a ser um só", embora ainda não tenha dado indicações de como fazê-lo. O professor da FGV Direito Rio, Diego Werneck Arguelhes, tambem considera este tema prioritário, "a gente não sabe quem fala em nome desse tribunal, formalmente, o presidente representa a instituição. Mas, na prática, não há mais o monopólio da fala e isso gera descompasso nas mensagens que o Supremo envia para a opinião pública. O Supremo é uma instituição ou é um punhado de ministros individuais?", questiona.

Além das declarações públicas, a grande maioria das decisões dos ministros são individuais. Segundo dados do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, em todos os tipos de processos julgados pelo tribunal, o percentual médio de decisões monocráticas fica entre 1992 e 2013 fica em 93%. Além disso, se um julgamento no plenário é interrompido por um pedido de vista de um dos ministros, na prática, não há prazo para que os autos sejam devolvidos e este fica suspenso indefinidamente.

Ao contrário do antecessor Ricardo Lewandowski, Cármen deve evitar temas corporativos e fortalecer o papel fiscalizador do CNJ. Para o ministro Gilmar Mendes, este é um dos principais desafios da presidente. "Eu acho que o CNJ desapareceu e ela tem a chance de reativá-lo". Além de monitorar o sistema carcerário, o CNJ apura denúncias de improbidade cometidas por juízes e monitora o descumprimento do teto constitucional dos salários por meio da concessão de benefícios.

A pauta anticorporativista da ministra também pode refletir nas discussões da reforma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). A proposta do presidente anterior, Ricardo Lewandowski, previa o aumento de prerrogativas e benefícios dos magistrados e não contará com o apoio da ministra.

Além dos temas que lhe são caros, a ministra é uma crítica do isolamento do poder em Brasília e ouviu governadores e presidentes dos Tribunais de Justiça de todos os estados sobre os temas que mais repercutem localmente. Para elaborar a pauta do Supremo, a ministra pediu aos presidentes dos Tribunais de Justiça que encaminhem a ela, até o dia 30 de setembro, os temas de repercussão geral que consideram prioritários. Uma preocupação consensual foi a questão dos expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos, cujos processos estão suspensos em todo o país à espera de definição da matéria pelo Supremo. Com a desistência do pai da ministra de uma ação contra uma correção, ela está desimpedida para julgar e o tribunal volta a ter quórum.