Título: Em jogo, o alcance da lei seca
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2011, Cidades, p. 26

Superior Tribunal de Justiça analisará recurso para definir as provas válidas nos processos contra condutores acusados de dirigir sob efeito de álcool. Decisão vai orientar juízes e desembargadores em casos que tratem do tema

A polêmica sobre quais provas podem ser usadas para atestar a embriaguez de um motorista está próxima do fim. O Recurso Especial nº 1.111.566, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), chegou à coordenadoria da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na quinta-feira. Assim que o ministro relator Marco Aurélio Bellizze entender que o caso está pronto para ser discutido, determinará a inclusão do processo na pauta de votação. Um representante do MPDFT se reuniu com Bellizze para destacar a relevância do tema e a necessidade de agilizar o julgamento, mas ainda não há data para a avaliação do caso.

A análise do recurso repetitivo (Leia Para saber mais) será apreciada por 10 ministros e terá alcance nacional. Assim que os magistrados chegarem a um acordo sobre quais elementos podem ser usados para provar a embriaguez dos condutores, a decisão passará a orientar juízes e desembargadores de todo o país em processos sobre o mesmo tema. E, caso algum pleito ainda chegue ao STJ, o ministro pode decidir monocraticamente, sem a necessidade de esperar a reunião da turma.

No recurso sob a relatoria de Bellizze, o MPDFT defende que sejam admitidos outros tipos de provas, além do teste do bafômetro ou de sangue. A medida vai atingir os motoristas que não foram submetidos a esses exames e recorreram à Justiça para escapar da ação penal.

Para o promotor de Justiça da Assessoria de Recursos Constitucionais do MPDFT, Evandro Manoel da Silveira Gomes, a atividade do MP e do Judiciário na apuração e no julgamento dos crimes de trânsito não pode ficar restrita a uma única prova. "No recurso, citamos como exemplo o exame clínico. Um médico pode vislumbrar olhos avermelhados, marcha cambaleante, dificuldade na fala e comprovar que tais sinais implicam em embriaguez", cita. O promotor defende ainda que o auto de constatação dos policiais ou agentes de trânsito, assim como o testemunho de terceiros, também sejam considerados. "Se alguém diz: "Passei a noite com fulano e ele bebeu uma garrafa de uísque", isso não pode ser desconsiderado."

Decisões diferentes Desde que a lei seca entrou em vigor, o STJ foi acionado inúmeras vezes para decidir sobre as mais diferentes questões que envolvem a proibição de dirigir alcoolizado. Algumas delas, enfraquecem a Lei Federal nº 11.705/08. Outras reforçam a norma vigente. No entanto, o ponto crucial da legislação continua gerando discussões jurídicas.

Na avaliação do advogado Marcos Arantes Pantaleão, da Comissão de Direitos de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo, a maioria das decisões relativas ao desrespeito ao Artigo 306 não enfraquecem a lei, apesar de beneficiar quem conduz um veículo após beber e se recusa a ser testado. "O crime de dirigir alcoolizado precisa do elemento de comprovação material da concentração de álcool", reforça Pantaleão.

Para por fim ao imbróglio, os legisladores deveriam substituir no texto da lei o critério quantitativo — de 6 decigramas (exame de sangue) ou 0,3 miligrama (bafômetro) — pelo critério qualitativo: "sob influência de álcool comprovado por exame de sangue, etilômetro ou exame clínico mediante laudo do Instituto Médico Legal (IML)".

Desse modo, ainda que o condutor se recuse a fazer os testes, o policial poderá lavrar o Auto de Constatação de Influência de Álcool ou Substância Entorpecente, instituído pela Resolução nº 206/2006 do Contran, após o registro da ocorrência, o condutor será submetido a exame clínico que comprovará se ele está ou não sob influência de álcool. Assim, ele poderá ser processado pelo Artigo 306.

O acidente causado por Igor Rezende Borges em 27 de abril de 2008 é um dos casos que pode ser afetado caso novas provas passem a valer. À época com 34 anos, ele invadiu a pista contrária e bateu de frente em um Vectra na DF-001. Cinco pessoas morreram e duas ficaram feridas. Ele admitiu ter ingerido bebida alcoólica e, na denúncia, consta que Igor dirigia na contramão "em busca de aventura". A Justiça decidiu que ele será julgado por júri popular. A defesa recorreu e, em novembro de 2008, conseguiu derrubar duas qualificadoras da denúncia: motivo torpe e meio que dificultou a defesa da vítima. O MP contestou a decisão e aguarda pronunciamento do STJ.