Ajuste fiscal está manco

 

08/08/2016
Rosana Hessel

 

Sozinha, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior não será suficiente para reverter o descalabro das finanças do país. Depois de analisarem, com lupa, o projeto encaminhado pelo governo ao Congresso, especialistas ressaltam que o ajuste fiscal ainda está manco. Para reverter o estrago que se viu nos últimos anos, será preciso medidas duras nos próximos meses e ações de longo prazo, como a reforma da Previdência, que, neste ano, pode ter deficit superior a R$ 200 bilhões se somados os rombos do Instituto Nacional do Seguro Social INSS) com os dos sistemas de aposentadoria de servidores e militares.

O economista Felipe Salto é taxativo. “O governo está apostando todas as fichas na PEC do teto. Mas uma das primeiras lições da economia é não colocar todos os ovos em uma única cesta, o que é muito arriscado. É preciso ter uma agenda mais estruturada e mandar logo um conjunto de medidas de reformas para o Congresso Nacional trabalhar”, diz ele, que é coautor do livro Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade. No entender dele, o governo deve agir rápido tão logo o Senado aprove o impeachment definitivo de Dilma Rousseff. “Não há tempo a perder”, frisa.

A ansiedade é grande. E a complacência do mercado com a equipe chefiada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, está prestes a acabar se o governo não avançar os passos. Na verdade, o que mais se está vendo são recuos e sinais contraditórios. No projeto que renegocia as dívidas de estados, resultando um alívio de R$ 50 bilhões a essas unidades da Federação, o presidente interino, Michel Temer, fez uma série de concessões que vão resultar em aumentos das despesas com servidores, o que não é recomendável num momento em que se promete um ajuste fiscal consistente.

Doutora em economia e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (PIIE), em Washington, Monica de Bolle não esconde a apreensão. “Diante de tudo o que estamos vendo, a PEC dos gastos precisará ter muita substância para ser eficaz. De nada vai adiantar se o governo não conseguir encaminhar a reforma da Previdência, mesmo que não seja a ideal. O fato é que, neste ano, ninguém vai querer mexer nesse vespeiro, já que, em outubro, haverá eleições municipais”, avisa. Na avaliação dela, o voto de confiança ao governo estará com os dias contatos após a confirmação do impeachment de Dilma. “Até lá, Temer precisa explicar melhor em que consiste o ajuste fiscal.”

Para os especialistas, a PEC tem problemas, apesar de ser positiva ao propor finalmente um limite para o gasto público, algo fundamental para o equilíbrio das contas públicas, que foram desmanteladas nos últimos anos, devido à contabilidade criativa de Dilma. Desde 2014, o setor público está operando no vermelho e o prazo para o conserto dos estragos será longo. Há quem acredite que, mesmo com a PEC, as despesas terão crescimento real até 2020. Por isso, a cobrança por medidas de curto prazo. Nos 12 meses terminados em junho, o governo registrou deficit de R$ 151,2 bilhões, próximo do rombo definido como limite para este ano, de R$ 170,5 bilhões.

 

 

Riscos à credibilidade

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, é categórica quanto aos riscos de perda de credibilidade do governo se houver desleixo no ajuste fiscal. “Tenho convicção de que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, compreende a necessidade de arrumação das contas públicas e não deixará que nada dê errado. Não há dúvidas de que o mercado ficará cada vez mais exigente, principalmente, se o Congresso começar a desidratar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos”, alerta. Para ela, apesar de não ser tão abrangente, a PEC será um divisor de águas. “A proposta não é um instrumento de ajuste perfeito, porque será necessário resolver os problemas da Previdência”, afirma.

 

Correio braziliense, n. 19432, 08/08/2016. Economia, p. 7