Título: Denúncias no Paranoá
Autor: Mariz, Renata; Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2011, Brasil, p. 10

Uma comunidade terapêutica investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal por tortura oferece o serviço de "internação compulsória". Sem alvará de funcionamento, a clínica Desafio Jovens Livres, no Paranoá, é alvo de diversas denúncias de maus-tratos e também do uso da força para levar os usuários de drogas ao local. O Correio teve acesso ao Inquérito nº 381, que mostra relatos de vítimas que dizem ter sido espancadas e agredidas inclusive com blocos de concreto, além de relatos de familiares.

Maria*, mãe de uma usuária de crack que passou pela clínica, confirma que o pastor presta o serviço de internação involuntária. "Ela fugiu de casa, descobri o local em que estava escondida e ele (o dono da clínica) foi lá e a pegou à força. Acompanhei tudo de perto porque ela não queria ser internada e já não sabia mais o que fazer", conta. Segundo a mulher, a filha não sofreu tortura na casa, mas relatou o uso da "tranca", um quarto fechado em que os usuários tidos como "rebeldes" são levados e ficam isolados. A jovem também diz ter visto funcionários da clínica batendo em internos.

O filho de Júlia* também foi levado à força ao local. "Preferi não ver porque dói demais para uma mãe", recorda. O rapaz, de 25 anos, fugiu da entidade. "Ele chegou em casa com os braços roxos e o rosto machucado depois de passar pela comunidade terapêutica. Não sei se é pior meu filho ficar em um lugar assim ou em casa, perto da droga. Estou na luta tentando interná-lo via uma medida judicial, mas a resposta é sempre a mesma: não tem leito", lamenta.

Segundo o relatório produzido pela polícia, a entidade evangélica, comandada pelo pastor José Alberto de Souza, cobra R$ 300 por interno. Durante a visita dos agentes, feita no meio deste ano, 68 pessoas estavam em tratamento, sendo 66 homens e duas mulheres. Quinze pessoas trabalhavam voluntariamente. O pastor, que mora na chácara com a esposa e duas filhas, afirma que há 33 anos trabalha com recuperação de usuários de drogas. O documento atesta que as instalações no local são precárias. Em uma das ocorrências registradas, 12 pessoas disseram ser vítimas de maus-tratos. Elas foram encaminhadas para o Instituto Médico Legal, que confirmou as lesões corporais. A reportagem tentou falar com o pastor ontem, mas não conseguiu localizá-lo. (RM e AR)

* Os nomes foram alterados para preservar a identidade das famílias