No limite

Suzana Kahn

10/09/2016

 

 

É preocupante manter subsídios aos combustíveis fósseis.

Recentemente foi anunciado um novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, a ser divulgado no segundo semestre de 2018, cujos cenários antecipam consequências que o mundo terá que enfrentar caso não consigamos atingir, até o fim deste século, a meta de 1,5 grau de aumento máximo da temperatura do planeta em relação à época pré-industrial. O valor de 1,5 grau foi incluído no Acordo de Paris, uma vez que aumento de temperatura superior a este implicaria enormes danos para pequenos países insulares, alguns com risco de desaparecerem devido à elevação do nível do mar. O Artigo 2 da Convenção do Clima destaca que medidas devem ser tomadas para prevenir interferências antropogênicas perigosas no sistema climático. A submersão de um país é extremamente danosa, exatamente o que a Convenção do Clima determina como interferências perigosas, exigindo que ações sejam tomadas pelos signatários.

Mas é importante ressaltar que já atingimos o aumento de 10 graus, em relação ao período pré-industrial, e nada indica que conseguiremos desacelerar o nível de emissões de gases de efeito estufa na velocidade necessária para atingirmos a meta de 1,5 grau no fim do século. É fato que houve aumento da geração de energia renovável. Desde 2008, a elevação foi de 18% nos países do G-20, que representam três quartos das emissões no mundo.

No entanto, esses mesmos países continuam investindo em termelétricas, inclusive a carvão, o que é incompatível com a meta de redução de emissões, sobretudo quando se sabe que a vida útil de uma térmica é de várias décadas. Um sinal também preocupante é a manutenção de subsídios aos combustíveis fósseis. Segundo Niklas Hohne, no relatório “CarbonBrief”, esses subsídios chegaram a 70 bilhões de dólares, entre 2013 e 2014. Tudo isso indica que não atingiremos o limite de aumento de 2 graus. Então, qual a razão para avaliarmos os cenários de 1,5 grau?

Existem muitos críticos ao desenvolvimento destes cenários, uma vez que há quase um consenso em relação à impossibilidade de se chegar a esta meta de aumento de temperatura. Alguns cientistas, inclusive, argumentam que produzir relatórios considerando tal possibilidade cria uma ilusão que não é construtiva, um mero wishfullthinking, ou seja, um pensamento ilusório.

Uma das respostas a essas críticas seria a de que um maior entendimento do que poderá acontecer, caso o planeta supere o 1,5 grau, ajudará a guiar políticas e inciativas para minimizar os danos inevitáveis. Também será útil no estabelecimento do melhor equilíbrio entre as opções de mitigação e adaptação. Outro aspecto relevante será o de direcionar pesquisas sobre os impactos que ocorrerão acima desse aumento de temperatura, seja na biodiversidade ou nas populações ou ainda na economia mundial.

Porém, o que me parece mais relevante no estudo dos novos cenários é a questão de perdas e danos. Este foi um item polêmico ao longo da COP-21, em Paris, no ano passado, tendo sido uma reivindicação dos países mais vulneráveis, exatamente por terem consciência de que o limite seguro de aumento de temperatura será ultrapassado. Dessa forma, ao se colocar a meta de 1,5 grau, abre-se a possibilidade de maior recompensa aos mais prejudicados.

No entanto, temo que esta recompensa aos vulneráveis não deixe de ser também um pensamento ilusório.

 

O globo, n. 30350, 10/09/2016. Opinião, p.17