As cenas finais do impeachment

 

31/08/2016
Paulo de Tarso Lyra
Paulo Silva Pinto
João Valadares

 

Depois de nove meses de espera, o país finalmente assistirá hoje ao término do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Desanimados, os petistas e aliados da presidente afastada já jogaram a toalha. No Planalto, a conta é que o presidente interino terá entre 60 e 61 votos favoráveis à sua efetivação no cargo — dois a mais que durante a pronúncia e sete a mais que o mínimo necessário para tornar-se presidente efetivo.

Um Temer bem menos ansioso e mais calmo aguarda o desfecho do processo para viajar para a China, onde participará da reunião do G-20. No Senado, o trabalho de convencimento dos votos pró-governo interino está a cargo do senador Romero Jucá (PMDB-RR). Com o anúncio de Otto Alencar (PSD-BA) de que votará contra o impeachment, a pressão toda está voltada sobre Telmário Mota (PDT-RR), Elmano Ferrer (PTB-PI) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se absteve em todas as votações anteriores.

Do outro lado, alguns petistas ainda apostam as últimas fichas, quase em um gesto de desespero. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva permaneceu em Brasília ao longo de todo o dia, tentando virar votos. A expectativa de uma reversão em bloco no posicionamento dos senadores maranhenses não aconteceu. Roberto Rocha (PSB), João Alberto (PMDB) e Edison Lobão (PMDB) votarão pelo afastamento.

A investida em Alagoas tampouco deu certo. A esperança era que os senadores Fernando Collor de Mello (PTC) e Benedito de Lira (PP) se sentissem incomodados com os superpoderes concedidos pelo presidente interino a Renan Calheiros (PMDB). O filho de Renan governa o estado e o senador está de olho na disputa pela prefeitura da capital. Mas Collor e Benedito devem votar ao lado de Temer.

O desânimo é tanto que o PT terceirizou a busca de votos contrários ao impeachment. A tarefa vem sendo exercida por Kátia Abreu (PMDB-GO) e Armando Monteiro Neto (PTB-PE). “Gostei dessa história de cachorros (fiéis) e gatos (que mudam de acordo com o ambiente)”, brincou Kátia, numa alusão às palavras do senador Magno Malta (PR-ES) sobre os senadores que se mantém fieis à Dilma até o último momento e a antigos aliados que mudaram de lado, passando a integrar a base de Michel Temer.

 

Discussão

No último dia de debates, as atenções ficaram voltadas ao embate entre a defesa e a acusação. “A pior tortura que um ser humano tem é condenar um inocente, se essa pessoa tem dignidade, porque, ao fazê-lo, aquilo o acompanhará pelo resto das suas vidas e, quando olharem no espelho, saberão que puniram uma inocente por pretextos, por questões absolutamente não fundamentadas”, afirmou o advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, pouco antes de concluir o discurso na tribuna do Senado. “Querem condenar, condenem! Mas não enxovalhem a honra de uma mulher digna”, protestou.

Durante uma hora e meia, os advogados de acusação, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior, de maneira veemente, reafirmaram que a presidente afastada cometeu crime de responsabilidade ao editar decretos suplementares sem autorização do Congresso e também “pedalar” no Plano Safra. A acusação afirmou que a defesa da presidente mente e é “boa de marketing”.

Primeira a falar, Janaína chorou no fim do pronunciamento e pediu desculpas à petista pelo sofrimento causado. “Eu finalizo pedindo desculpas para a senhora presidente da República, não por ter feito o que era devido, porque eu não podia me omitir diante de tudo isso. Eu peço desculpas porque eu sei que a situação que ela está vivendo não é fácil”, disse. “Eu peço desculpas porque eu sei que eu lhe causei sofrimento. E eu peço que ela um dia entenda que eu fiz isso pensando também nos netos dela” afirmou.

Com tom de voz elevado, Janaína Paschoal continuou no ataque. “Excelências, eles mentem tão bem, eles são tão competentes no marketing que a gente acredita! Até as pessoas que estão do meu lado falam: ‘Poxa, doutora, que pena que a perícia não foi favorável!’ E eu, às vezes, mostro o papel. Mas eles são tão convincentes!”, afirmou.

Assim que Janaína desceu da tribuna, uma confusão foi iniciada entre o deputado José Guimarães (PT-CE) e o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). Após o término da fala de Janaína, o parlamentar comentou que ela era golpista. O senador tucano pediu a palavra para contestá-lo. “Golpistas são vocês, deputado Guimarães. Eu não tenho medo de você nem de vocês. E peço ao senhor presidente que, se esse senhor não vier a se comportar adequadamente, o faça ser retirado do plenário pela Polícia do Senado Federal, que é isso que ele merece”, disse.

 

O último capítulo

Confira como será hoje o processo de votação do impeachment de Dilma Rousseff, a partir das 11h

 

» Começa com o encaminhamento dos votos. Dois oradores da acusação podem falar por cinco minutos cada um (se houver mais de dois senadores dispostos a falar, eles podem dividir o tempo entre si). O mesmo tempo é concedido à defesa.

» Em votação aberta, nominal e eletrônica, senadores devem responder sim ou não à seguinte pergunta, a ser lida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski: “Cometeu a acusada, a senhora presidente da República, Dilma Vana Rousseff, os crimes de responsabilidade correspondentes à tomada de empréstimos de instituição financeira controlada pela União e à abertura de créditos sem autorização do Congresso, que lhe são imputados e deve ser condenada à perda do seu cargo, ficando, em consequência, inabilitada para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de oito anos?”

» Lewandowski lavra a sentença e a lê em plenário. Em seguida, pede para que todos os senadores assinem a sentença e a envia para publicação.

» Se dois terços dos senadores (54 votos) tiverem respondido “sim” à pergunta, Dilma automaticamente perde o mandato e fica inelegível. Caso contrário, ela volta ao exercício do cargo. As partes são intimadas no local e dá-se conhecimento ao vice-presidente da República eleito, Michel Temer, para a posse, que deve ocorrer na tarde de hoje.

 

Correio braziliense, n. 19455, 31/08/2016. Política, p. 2/3