Longa jornada pós-impeachment

 

31/08/2016
Armando Castelar

 

Escrevo este artigo ainda sem saber o resultado final da votação do impedimento da presidente Dilma Rousseff, mas com todos os indícios apontando na direção da sua aprovação, com alguma folga. Será um momento marcante da nossa história, por variados motivos. Alguns deles - com certeza os principais - são de natureza política: não é todo dia que o Congresso depõe um presidente. Outros são de natureza econômica, com destaque para a importância que a Lei de Responsabilidade Fiscal adquire a partir desse processo.

Esse também será um momento decisivo para o futuro da economia brasileira. Esta, em que pese a incipiente recuperação da atividade de alguns setores, permanece frágil e em crise, da qual só sairemos com grande esforço. A troca de governo parece ter estancado o mergulho no precipício, mas os problemas mais sérios continuam lá, em especial a dinâmica explosiva da dívida pública e o baixo potencial de crescimento econômico sustentado. A expectativa é que, confirmado no cargo e sem a incerteza da interinidade, o presidente Michel Temer implemente as duras reformas que o momento exige.

A pedra fundamental do ajuste fiscal planejado pelo governo é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto dos Gastos, que busca estabilizar a relação dívida pública/PIB. Sua lógica é simples. Ao zerar a expansão real do gasto público, ela permitirá relaxar a política monetária. Com isso, a despesa do governo com juros diminuirá e o PIB crescerá. Com a alta do PIB, as receitas públicas aumentarão além da inflação e o resultado primário vai melhorar.

A PEC do Teto deve ser aprovada ainda este ano ou no começo do próximo. A questão é o quanto o governo vai ceder para aprová-la. Quanto menos restritivo e duradouro for o teto, menos impacto ele terá. Mesmo no caso mais favorável, a razão dívida/PIB só vai parar de crescer no início da próxima década e apenas depois de atingir um patamar bem alto. Quanto mais o governo ceder, mais difícil será estabilizar a dívida. Se o prazo de validade do teto não for longo o suficiente, a conta não fecha.

Ainda que fundamental, a PEC do Teto não é suficiente. Isso é, para ela ser viável, é preciso desmontar regras que hoje fazem o gasto público crescer além da inflação, independentemente de decisão do governo. As três principais áreas em que isso ocorre são educação, saúde e previdência. A PEC do Teto propõe mudanças para as duas primeiras áreas; a reforma da previdência será objeto de outro projeto. Serão batalhas difíceis. Mas, sem elas, o teto não funciona, e o caminho será o desarranjo fiscal e o aprofundamento da crise. As pessoas terão direitos, mas não haverá dinheiro para pagar por eles. O exemplo do Rio de Janeiro é emblemático. Cabe ao governo mostrar isso à sociedade e ao Congresso.

O Brasil também precisa de reformas que acelerem o crescimento da produtividade. Essa aumentou muito pouco nas últimas três décadas e meia e, efetivamente, caiu em anos recentes. Segundo estimativas do Conference Board, o trabalhador brasileiro será, em 2016, apenas 0,5% mais produtivo do que em 1980. Nos EUA, nesse mesmo período, a produtividade do trabalho aumentou 69,6%. Na Coreia, 334,1%.

O aumento do intervencionismo econômico em 2006-14 explica parte do péssimo desempenho da produtividade, mas não é a única causa. O limitado grau de abertura da economia, a complexa norma tributária, as carências de infraestrutura, a regulação trabalhista e o excesso de burocracia são outras causas importantes. É preciso aumentar a competição, reduzir o tamanho do Estado e melhorar as instituições econômicas. Estará o governo disposto a caminhar nessa direção? Tomara que sim. Mas não será fácil. É difícil propor muitas reformas ao mesmo tempo, pois o número de descontentes aumenta com cada uma. E, mesmo para um governo popular, esse tipo de reforma leva tempo, como se viu no governo FHC.

Ainda assim, o governo Temer pode avançar em algumas áreas, como infraestrutura e petróleo e gás, por exemplo, e lançar as bases para outras reformas, mostrando à sociedade a sua necessidade. O Brasil precisa não apenas de um setor público que gaste menos, mas também que interfira e desorganize menos a economia.

 

Correio braziliense, n. 19455, 31/08/2016. Opinião, p. 13