Ajuste cambial nas contas

Gabriela Valente

27/09/2016

 

 

-BRASÍLIA- O ajuste das contas externas, que vinha ocorrendo há um ano e meio, começa a dar sinais de arrefecimento. A queda do dólar nos últimos meses e a possibilidade de retomada do crescimento econômico fizeram o Banco Central (BC) revisar suas projeções para o déficit deste ano de US$ 15 bilhões para US$ 18 bilhões, porque o incentivo para os exportadores não é mais tão grande, e, com mais confiança e câmbio favorável, as famílias voltaram a aumentar os gastos em viagens ao exterior.

No início do ano, o governo estimava encerrar 2016 com um rombo de US$ 41 bilhões nas chamadas transações correntes (resultado de todas as trocas de serviço e do comércio do Brasil com o restante do mundo). No entanto, os exportadores aproveitaram a moeda americana favorável — o dólar chegou a ser negociado a mais de R$ 4 em janeiro —, e, no sentido oposto, os gastos de importadores foram inibidos. Agora, o cenário do câmbio está bastante diferente. Ontem, o dólar comercial encerrou cotado a R$ 3,248.

A perspectiva de retomada do crescimento e o dólar em um patamar menor fazem as empresas pensarem em importar insumos. Além disso, em um quadro como o atual, as companhias voltam a demandar serviços no exterior, como frete e aluguel de equipamentos, por exemplo.

Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, a mudança ainda é pequena, e a projeção atual não deixa de representar um forte ajuste nas contas, que registraram um rombo histórico de mais de US$ 104 bilhões em 2014. O déficit recuou para US$ 58,9 bilhões no ano passado, um patamar significativo em comparação aos US$ 18 bilhões previstos para 2016. A revisão trimestral feita ontem pelo BC levou em consideração pequenos ajustes, principalmente, em dois itens:

— Além da balança comercial, as viagens internacionais foram importantes para essa revisão — comentou Maciel.

Exportadores, que festejavam o dólar acima de R$ 4, têm incentivo menor para vender no mercado internacional com o atual patamar do câmbio. Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), argumenta que o lado bom é que a volatilidade do dólar diminuiu nas últimas semanas, o que dá um ambiente de previsibilidade para quem quer exportar. Mas o lado ruim é que a estabilidade em torno de R$ 3,20 diminui a competitividade para vender produtos em uma economia mundial que vem patinando, ainda em decorrência da crise financeira global deflagrada em 2008.

— A resposta das exportações brasileiras vai ser menor quando houver a retomada de crescimento do país — diz Castelo Branco, ressaltando que a intenção de voltar a importar já dá sinais de aumento outra vez.

Além de comprar mais do exterior, os brasileiros voltam a sonhar com as férias fora do país. Isso também pesa nas contas externas. Com o refresco na cotação do dólar, os turistas aumentaram seus gastos em agosto. A alta foi de apenas 2,3%, mas chamou a atenção dos técnicos do BC, porque essas despesas estavam em queda. Não havia um crescimento de gastos, na comparação anual, desde janeiro de 2015. Os turistas deixaram US$ 1,292 bilhão lá fora no mês passado, contra US$ 1,263 bilhão em agosto do ano passado. Setembro, segundo o BC, mantém essa tendência por causa do câmbio, da retomada da confiança e da perspectiva de melhor atividade econômica.

A Associação Brasileira das Agências de Viagem (Abav) informou que ainda não tem um índice efetivo, mas que identifica crescimento de 5% a 6% nas vendas de pacotes de turismo, em relação ao mesmo período do ano passado. Já a CVC Viagens ressaltou ter observado aumento nas viagens intencionais, principalmente no fim de julho e começo de agosto. A empresa credita esse movimento à estabilidade do câmbio e ao retorno da confiança do consumidor.

Mesmo com gastos maiores de turistas, o déficit das contas externas caiu 78% no mês, também na comparação anual, a US$ 579 milhões. É o menor para o mês desde 2007. No acumulado do ano, o rombo é de US$ 13,1 bilhões, o menor desde 2009.

André Perfeito, economista-chefe da corretora Gradual, lembra que esse é o efeito da recessão no Brasil, que foi “cirurgicamente construída” para que alguns preços da economia, como o salário real das famílias, voltassem para o lugar após a explosão da inflação por causa do represamento das tarifas públicas no governo Dilma Rousseff. Ele ressalta que a recessão controlou a inflação de serviços e favoreceu o comérci  o exterior, mas ainda há dúvidas sobre o futuro:

— Para sair disso, precisamos de uma clareza maior sobre a demanda doméstica e externa, e isso não está de forma alguma claro, apesar dos esforços da equipe econômica.

PARA INVESTIMENTOS, ESTIMATIVA ESTÁVEL

Apesar da recessão e da queda da renda e do consumo, a projeção de investimentos estrangeiros diretos (IED), aqueles que chegam para aumentar a capacidade de produção das fábricas ou para a compra de participação nas companhias brasileiras, permaneceu estável, em US$ 70 bilhões. Isso se deve à expectativa de retomada da economia.

No ano, os IED somam US$ 41,1 bilhões. O que parece ser contraditório — um país em retração continuar com praticamente o mesmo nível de ingressos do ano anterior — tem motivo: está barato investir no Brasil.

— O estrangeiro está aproveitando o momento para se colocar na economia brasileira, comprar ativos mais baratos e se posicionar no mercado brasileiro para a hora da retomada — afirma o economista da Sociedade de Estudos de Empresas Transacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Antônio Correa de Lacerda. — O Brasil é um dos países que mais oferecem oportunidades. Investimento é para os próximos dez anos, e ninguém acredita que o Brasil vai ficar em crise nos próximos dez anos.

Enquanto há entrada de investimento de longo prazo, as aplicações mais efêmeras sentem a crise. Ontem, o BC destacou que há uma forte saída de investidores estrangeiros de aplicações financeiras dos títulos públicos brasileiros. Foram nada menos que US$ 3,8 bilhões no mês passado. É uma reversão das fortes entradas verificadas nos dois anos anteriores. Além da perda do grau de investimento, há a percepção de que os investidores estão embolsando seus ganhos. Houve ainda uma saída de US$ 1,6 bilhão em ações no mês passado. Esses movimentos devem continuar, mas com menos força. (Colaborou Gabriela Antunes, estagiária, sob a supervisão de Lucila de Beaurepaire).

 

O globo, n. 30367, 27/09/2016. Economia, p.21