Título: Violência explícita
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2011, Mundo, p. 20

Relatório da ONU denuncia regime sírio por crimes contra a humanidade, inclusive abuso sexual de menores

» Multidão marcha pelas ruas de Damasco em apoio ao presidente Bashar Al-Assad: país está dividido e em pé de guerra civil

A violência de Bashar Al-Assad contra seu povo se prolonga há oito meses, mas um relatório divulgado ontem escancarou as atrocidades cometidas na Síria desde o início dos protestos pela democracia. Em 23 páginas, uma comissão independente nomeada pelas Nações Unidas denuncia uma série de crimes contra a humanidade praticados pelas forças de segurança. Testemunhas relataram prisões arbitrárias, execuções, espancamentos, tortura e violência sexual, inclusive contra crianças e adolescentes (veja quadro). A expectativa é de que as denúncias impulsionem a discussão sobre sanções no âmbito da ONU.

Ao longo de quase dois meses, a comissão entrevistou 223 vítimas da repressão. A maioria dos relatos foi colhida com refugiados, mas a equipe também lançou mão de e-mail e Skype para fazer contato com pessoas que ainda estão em território sírio. Por quatro vezes, o grupo pediu formalmente autorização para ingressar no país, sem sucesso. "O que mais nos chocou foram as mortes de crianças e os vários relatos de tortura e violência sexual contra adolescentes", disse ao Correio o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da comissão e pesquisador da Universidade de São Paulo. O grupo calcula que 256 meninas e meninos tenham sido assassinados pelas forças de segurança.

Os depoimentos dão conta de graves agressões contra crianças pequenas e jovens, principalmente rapazes. Uma das testemunhas disse ter presenciado a morte de Thamir Al-Sharee, 14 anos, que agonizava após ter sido espancado. Outros relatos chocantes foram feitos por garotos que foram abusados sexualmente. Um homem de 40 anos contou ter visto o estupro de um menino de 11 anos, e um jovem de 20 anos afirmou ter sido violado durante todo o tempo em que ficou preso. "Se meu pai estivesse lá vendo, eu teria de ter cometido suicídio", disse aos entrevistadores.

Pinheiro e sua equipe, formada por 19 profissionais, também enviaram questionários ao governo sírio. A ideia era ouvir o que Al-Assad e seus aliados tinham a dizer. O ditador, porém, só retornou com declarações oficiais. "Gostaríamos de chamar sua atenção para o fato de que a República Árabe Síria estabeleceu uma comissão independente especial, com mandato aberto e limpo, para investigar todos os casos relativos aos eventos que tomaram conta da Síria desde março de 2011", diz a carta enviada à equipe da ONU.

Assembleia Geral Como o grupo não conseguiu entrar em território sírio, não ofereceu sugestões para a implantação de corredores humanitários, como foi defendido pelo ministro das Relações Exteriores da França, Alain Juppé. Ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, a comissão recomenda colocar a Síria urgentemente na pauta de discussões, inclusive da Assembleia Geral. "Nosso trabalho foi constituir um relatório sólido. Há rumores de que haverá uma sessão especial dos Estados-membros ainda nesta semana", diz o brasileiro. "Também há a esperança de que a pressão econômica, por conta das sanções estabelecidas pela Liga Árabe, seja suficiente para afetar os empresários sírios, aliados de Assad, capazes de pressionar o presidente a parar a violência", aponta o professor Peter Wien, da Universidade de Marailand, especialista em história do Oriente Médio.

Enquanto isso não acontece, parte da comunidade internacional demonstra simpatia ao regime. O chanceler libanês, Adnan Mansour, disse que seu governo não vai colocar em prática as sanções aprovadas pela Liga Árabe. O apoio também veio da Rússia. Segundo o jornal Izvestia, militares russos pretendem enviar um porta-aviões e diversos tipos de navios à Síria. "Ter qualquer força militar além da Otan é muito benéfico para a região, uma vez que impede a eclosão de conflitos armados", justificou Viktor Kravchenko, que foi chefe da Marinha russa. Os comitês locais, que reúnem as forças de oposição, reportaram a morte de 18 pessoas durante o dia de ontem.