Título: Egípcios fazem história
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2011, Mundo, p. 21

Grande comparecimento e dificuldades operacionais marcam o primeiro dia das eleições parlamentares

A alta participação dos eleitores e a ausência de episódios graves de violência marcaram o primeiro dia de votação histórica do Egito. Mas problemas logísticos e de boca de urna também foram registrados por monitores, pessimistas com a evolução desses empecilhos para hoje, segundo dia de votação. O sufrágio para a escolha dos novos parlamentares que deverão compor a Assembleia do Povo (Câmara) é considerado o primeiro verdadeiro após anos de eleições fraudadas por Hosni Mubarak, o ditador que se rendeu aos protestos da Primavera Árabe e renunciou, em fevereiro passado. O diretor de uma das entidades observadoras da votação afirmou ao Correio que ainda é cedo para exibir otimismo com todo o processo eleitoral, que se estenderá até 10 de janeiro.

Um dos grandes temores para o início da votação era com relação à violência, o que não se confirmou. A preocupação se justifica pelos graves enfrentamentos da Praça Tahrir, ocorridos na última semana, envolvendo forças oficiais e manifestantes que exigiam a renúncia do Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF). A junta militar assumiu o comando do país após a saída de Mubarak. Nas negociações com diferentes correntes do país para a elaboração de uma proposta de reforma da Constituição, militares não abriram mão de prerrogativas que garantem seus privilégios, durante um eventual governo civil. Ativistas, porém, pedem a revogação desses itens e a formação de um governo transitório de conciliação.

A votação para o parlamento é dividida em três fases — a primeira, de dois dias, foi iniciada ontem em nove províncias, incluindo Cairo, Port Said e Alexandria. Segundo o diretor do Instituto Andalus de Estudos de Tolerância e Antiviolência (Cairo), Ahmed Samih, os principais problemas detectados por observadores nessas localidades se referem à logística e à boca de urna realizada por alguns partidos. A entidade e outras 126 organizações não governamentais estão divididas em sete coalizões, que aglomeram cerca de 20 mil monitores para acompanhar o processo eleitoral em todo o país. Sob a responsabilidade do diretor, atuam cerca de 3 mil observadores. "Os problemas técnicos criaram uma grande confusão para os eleitores", afirmou Samih.

Adiamento Uma das dificuldades foi a demora na abertura dos locais de votação. Em algumas localidades, o atraso chegou a duas horas. Com isso, a comissão eleitoral decidiu adiar o prazo de fechamento das urnas também em duas horas. Ao anunciar a prorrogação, o presidente da comissão, Abdul Moaez Ibrahim, culpou a grande quantidade de eleitores ainda nas filas, aguardando para votar. A alta participação dos eleitores chamou a atenção dos observadores.

Segundo Samih, cerca de 50% dos 17,5 milhões de egípcios aptos a votar nessas regiões teriam comparecido às urnas. No total, o país conta com 40 milhões de eleitores. "Em geral, a participação (na votação) foi alta, mas não sei se podemos chamar todo o processo de positivo. Temos de esperar para ver."

Na esfera política, o diretor do Andalus destacou como um problema o assédio dos candidatos em campanhas de boca de urna, especialmente entre os "islamitas". "Os mais prejudicados nesse aspecto foram os eleitores mais humildes", lamentou. Um relatório divulgado no site da organização mostrou que outros partidos "religiosos e candidatos independentes" também infringiram a lei, por meio do assédio de eleitores. Questionado se ele acredita que esses problemas possam ser resolvidos para a votação de hoje (terça-feira), Samih se diz pessimista. "Tenho dúvidas se a comissão (eleitoral) tem capacidade para solucionar essas questões. Acho que o dia de amanhã (hoje) deve continuar do mesmo jeito", lamentou, acrescentando que havia também o temor quanto à segurança das urnas nos colégios eleitorais. Ele afirmou não ter certeza se estavam devidamente resguardadas.