Aposta em 2017

 
04/09/2016
Paulo de Tarso Lyra

 

O presidente Michel Temer, que assumiu na última quarta-feira de maneira definitiva para um mandato de dois anos e quatro meses até 31 de dezembro de 2018, terá praticamente um ano para implementar as reformas que pretende tirar da gaveta: 2017. Em 2016, ainda terá que sofrer com os rescaldos das eleições municipais e, a partir de 2018, estará aberta a sucessão presidencial.

Se o calendário apertado fosse o único problema, Temer poderia se considerar um presidente feliz. Mas ele também terá de lidar com uma série de atritos na base de apoio, tanto na Câmara quanto no Senado, uma oposição renhida do PT e dos movimentos sociais e a disputa interna de vários nomes que estarão de olho na cadeira dele a partir de 2019.

É consenso no mercado que o governo que assume agora, de maneira efetiva, terá de aprovar uma série de reformas estruturantes - que, por sinal, jamais avançaram concretamente ao longo de nosso curto processo democrático. Entre elas, as reformas previdenciária, política e trabalhista.

“Até o fim deste ano, aprovaremos, nas duas casas, a PEC (proposta de emenda constitucional) que limita o teto de gastos da União e iniciaremos a discussão da reforma da Previdência, que deve ser votada no ano que vem”, acredita o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA).

O tucano avalia ainda que será possível discutir alguns pontos para modernizar a legislação trabalhista, permitindo uma livre negociação entre empregadores e empregados. “Não será uma reforma, não teremos nada que retire direitos dos trabalhadores”, prometeu o tucano. Para um experiente observador político, quando muito, o governo Temer conseguirá discutir a reforma da Previdência. “A reforma trabalhista será como aquele ‘bode’ colocado na sala. O Planalto encaminha as duas reformas para que apenas a Previdência passe”, apostou o analista.

Quem sabe, nem essa, admitiu outro aliado de Temer. “A reforma da Previdência é extremamente impopular. Se o país voltar a crescer e a arrecadação retomar um ritmo de elevação que equilibre o caixa público, poderemos adiar esse debate para quem se candidatar nas eleições de 2018”, disse um peemedebista, incomodado com a possibilidade de o governo Temer querer empunhar bandeiras tão ásperas. As reformas política e tributária dificilmente serão apreciadas.

No Palácio do Planalto, a argumentação é de que a reforma da Previdência é algo inadiável. O chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha, lembrou, em recente entrevista à Rede Globo, que, à época de Getúlio Vargas, a idade mínima para a aposentadoria era de 65 anos, com uma expectativa de vida de 37 anos. Atualmente, a expectativa é de 78 anos e a aposentadoria segue aos 65 anos. Além disso, as famílias estão tendo, hoje, uma média de 1,8 filhos, o que significa que, a longo prazo, o dinheiro que entrará no sistema ficará insuficiente para pagar quem sai dele.

“Para que as reformas necessárias ao país saiam do papel, é preciso que o presidente Temer enquadre o PMDB e lembre que eles são governo. O PSDB e o DEM estão dispostos a dar a sua cota de sacrifício para que as medidas sejam aprovadas”, alertou o presidente nacional do DEM, senador José Agripino Maia (RN).

A divisão na base preocupa o Planalto. Tão logo terminou a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, Michel Temer fez questão de ligar imediatamente para o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), para pedir temperança neste momento de crise. O líder do governo na Casa, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), - desgastado por ter, na tribuna, defendido, pessoalmente, o voto contrário à manutenção dos direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff %u2014, pela segunda vez em uma semana, foi aconselhado a recuar da decisão de abandonar o posto.

Tão logo volte da China, Temer pretende dar maior atenção ao Congresso. Ele planeja, inclusive, marcar reuniões com as bancadas dos partidos - não apenas com as lideranças partidárias - para defender a necessidade de aprovação das reformas. “Para manter a harmonia e a unidade da base, o presidente Temer terá de exercer, primordialmente, uma das suas principais habilidades: o diálogo”, reforçou o líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF).

 

Manifestações

Em entrevista na China, Michel Temer afirmou ontem que as recentes manifestações contra o governo são promovidas por “grupos mínimos” e têm caráter antidemocrático por supostamente envolverem depredações. “O tal do 'Fora Temer', tudo bem. É um movimento democrático”, declarou. Perguntado se os protestos comprometiam o início do governo, Temer insistiu no que considera o caráter inexpressivo das manifestações.

“As 40 pessoas que estão quebrando carro? Precisa perguntar para os 204 milhões de brasileiros e para os membros do Congresso Nacional que resolveram decretar o impeachment”, disse. “O que preocupa, isto sim, é que se confunde o direito à manifestação com o direito à depredação.”

 

Papa cita “momento triste” do Brasil

Durante a inauguração ontem de uma estátua de bronze de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, nos Jardins Vaticanos, em Roma, o Papa Francisco convidou as pessoas a rezarem “para que Nossa Senhora Aparecida siga protegendo todo o Brasil, todo o povo brasileiro, neste momento triste”. Na ocasião, o pontífice comentou que, provalmente, não cumprirá a promessa de retornar ao Brasil no ano que vem, feita durante a Jornada Mundial da Juventude em 2013

 

Correio braziliense, n. 19459, 04/09/2016. Política, p. 2