Os dois discursos feitos ontem pelo presidente Michel Temer na China mostram um otimismo que não condiz com a realidade que enfrentará quando retornar ao país para começar a despachar efetivamente no lugar da ex-presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Temer participou da abertura da Cúpula do G-20, grupo das 19 principais nações desenvolvidas e emergentes do planeta mais a União Europeia, e de uma reunião informal preparatória do encontro de líderes dos Brics, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Nos dois momentos, sinalizou que o ajuste fiscal necessário para equilibrar as contas públicas está em curso e que a retomada da economia ocorrerá em breve. Adiantou, ainda, que o pacote de concessões deverá ser anunciado em 13 de setembro, mostrando que é “possível verificar uma positiva reversão das expectativas”. “É patente a elevação dos níveis de confiança dos agentes econômicos”, afirmou ele.
Especialistas e até mesmo parlamentares do PMDB alertam que não será tão fácil para Temer avançar nas medidas de ajuste fiscal no Congresso Nacional neste ano, em meio a eleições municipais. Além da oposição aguerrida que o PT deverá fazer às reformas estruturais, principalmente a da Previdência Social — que sequer foi anunciada e sem a qual a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto dos gastos não terá efeito algum —, a base aliada não é tão coesa como se imagina. Há divisões dentro do PMDB, e na base (PSDB e DEM), que mostra descontentamento com a série de reajustes salariais em curso. Isso sem contar com a imponderável reação dos aliados do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Infraestrutura
O presidente brasileiro aproveitou a Cúpula do G-20, realizada na cidade chinesa de Hangzhou, para anunciar que o governo elabora um amplo programa de concessões em infraestrutura e de reformas que permitirão ao país voltar a crescer. “No Brasil, o caminho do crescimento está sendo reconstruído. Estamos promovendo um ajuste fiscal amplo e sustentável. Juntamente com o Congresso Nacional, instituiremos um teto constitucional para o crescimento das despesas governamentais”, disse, no encontro dos Brics. “Uma ambiciosa agenda de reformas estruturais também está em curso para elevar a produtividade da economia e gerar ambiente de negócios mais favorável. Estimularemos os investimentos em infraestrutura, sobretudo por meio de concessões de estradas, portos, aeroportos, ferrovias e sistemas de geração e transmissão de energia”, emendou.
Na avaliação do economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, o ajuste fiscal será um grande desafio para Temer, assim como atrair investimentos com esse clima ainda instável na política. “A situação não é absolutamente calma e, nesta semana, veremos como o mercado reagirá aos primeiros passos do novo presidente. Para ele conseguir avançar na agenda microeconômica, que inclui as concessões para atrair investimentos e estimular o crescimento, ele precisará consertar o cenário macroeconômico, que ainda é ruim porque ainda há risco político”, alertou. “Essas duas agendas estão relacionadas. O investidor só colocará recurso no país se ele achar que o risco político é inexistente”, disse ele. “Esse raciocínio de que é preciso fazer coisa errada para ficar no governo é bizarro”, emendou.
A falta de medidas de curto prazo para o ajuste fiscal mostra que as ações do governo estão concentradas na PEC do teto dos gastos. Para o especialista em contas públicas Felipe Salto, isso é uma temeridade. “Eles estão indo contra um dos princípios básicos da economia, que consiste em não colocar todos os ovos em uma única cesta”, alertou.
A série de reajustes concedidos ao funcionalismo e a falta de medidas de curto prazo para conter os gastos podem comprometer a meta fiscal de deficit de R$ 170,5 bilhões deste ano, o que agravará o quadro da dívida pública, de acordo com Freitas. “Temer colocou muita carga na decolagem e o problema é que agora ele vai tentar decolar com excesso de peso.”
Correio braziliense, n. 19460, 05/09/2016. Economia, p. 6