Novo governo, gambiarra e protestos

 

01/09/2016
João Valadares
Paulo de Tarso Lyra

 

Antes da metade do segundo mandato, Dilma Rousseff foi cassada por 61 votos a 20 no plenário do Senado e, assim, deixou a cadeira de presidente para Michel Temer. Duas horas depois da decisão legislativa, o peemedebista tomou posse no Palácio do Planalto. A troca fecha um processo iniciado ainda no fim do ano passado, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deu início ao impeachment por crime de responsabilidade contra a petista.

Com apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se posicionou pelo afastamento definitivo de Dilma, com votos do PMDB, a petista conseguiu preservar intactos os direitos políticos dela, uma espécie de gambiarra constitucional. Indiretamente, mesmo sem intenção, a decisão pode beneficiar o deputado Eduardo Cunha, cuja cassação será votada em 12 de setembro. Gestada ao longo do fim de semana, a ideia de dividir as penas de Dilma foi confirmada durante reunião do PT no Congresso, no início da tarde de terça-feira, logo depois da defesa do ex-ministro José Eduardo Cardoso no plenário do Senado. O Correio, ao longo daquele dia, mostrou a estratégia no site do jornal e publicou a reportagem na edição de ontem.

Da tribuna, antes de o plenário iniciar a votação em relação à cassação ou não dos direitos políticos da ex-presidente, Renan pediu a palavra e deu a senha aos seguidores. “Afastar a presidente da República é constitucional. Pode afastar na forma da Constituição e da democracia? Pode, mas não é da Constituição inabilitar a presidente da República como consequência do seu afastamento, não; essa decisão terá que ser tomada aqui, pelo plenário do Senado”. O político alagoano fez o apelo final. “No Nordeste, costumam dizer uma coisa com a qual eu não concordo: ‘Além da queda, coice.’ Nós não podemos deixar de julgar, nós temos que julgar, mas nós não podemos ser maus, desumanos. O meu voto é contrário à inabilitação.” Resultado: 42 votos pela perda dos direitos e 36 pela manutenção, além de 3 abstenções. Para impedir Dilma de exercer funções públicas por oito anos também eram necessários 54 votos.

 

A posse

Numa cerimônia rápida, que durou apenas 11 minutos, Temer tomou posse, no plenário do Senado Federal, duas horas após a saída definitiva da petista. Sem base popular, o peemedebista tem agora como principais desafios a unificação da base e a aprovação de medidas econômicas, algumas delas impopulares, como já reconheceu. Um pouco antes, no Palácio da Alvorada, ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma insistiu que o Brasil assistiu ao capítulo final de um golpe parlamentar. “Apropriam-se do poder por um golpe de Estado. É o segundo golpe de Estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas da repressão e tortura, que me atingiu quando era jovem. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo.”

Temer foi rápido na reação. Na primeira reunião ministerial, transmitida ao vivo, mandou o recado. “Temos que contestar, a partir de agora, essa coisa de golpista. Golpista é você que está contra a Constituição. Nós não rompemos a Constituição.(....) Fomos de uma discrição absoluta, mas agora, não vamos levar ofensa para casa.”

O novo presidente da República também expôs as linhas gerais de seu governo no pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, veiculado na noite de ontem.  Temer afirmou ter “consciência do tamanho e do peso da responsabilidade que carrego nos ombros. E digo isso porque recebemos o país mergulhado em uma crise econômica. Meu compromisso é o de resgatar a força da nossa economia e recolocar o Brasil nos trilhos”.

O peemedebista defendeu a diminuição dos gastos do governo, anunciou que encaminhará ao Congresso as reformas da Previdência e Trabalhista, mesmo sabendo que elas são medidas impopulares. Acredita que são fundamentais para a retomada do crescimento econômico. “Nossa missão é mostrar a empresários e investidores de todo o mundo nossa disposição para proporcionar bons negócios que vão trazer empregos ao Brasil. Temos que garantir aos investidores estabilidade política e segurança jurídica.”

Também fez um discurso voltado para os mais carentes, que têm sido bombardeados pelos petistas. “Ampliamos os programas sociais. Aumentamos o valor do Bolsa Família. O Minha Casa Minha Vida foi revitalizado. Ainda na área de habitação, dobramos o valor do financiamento para a classe média e decidimos concluir mais de mil e quinhentas obras federais que encontramos inacabadas.”

E concluiu: “Despeço-me lembrando que Ordem e Progresso sempre caminham juntos. E com a certeza de que, juntos, vamos fazer um Brasil muito melhor. Podem acreditar: quando o Brasil quer, o Brasil muda”.

Quando o pronunciamento foi ao ar, Temer já estava a caminho da China. E a superquarta-feira apresentava mais uma novidade. O país estava sendo presidido, interinamente, pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Foi um dia em que o país teve três presidentes.

Logo depois da posse de Temer, manifestantes contrários ao peemedebista ocuparam as ruas das principais cidades do país. Em São Paulo, várias pessoas estiveram na região central da capital — uma pequena parte do público chegou a depredar viaturas policiais e houve embate com o batalhão de choque da PM. Mais cedo, um grupo contrário a Dilma comemorou o impeachment com bolo e champagne em frente à Fiesp na Avenida Paulista. Em Brasília, a votação atraiu um pequeno número de pessoas à Esplanada. Os favoráveis a Dilma foram da tristeza à indignação, enquanto os que apoiaram o afastamento cantaram o Hino Nacional.

 

Correio braziliense, n. 19456, 01/09/2016. Política, p. 2