Manobra afasta inabilitação

 
01/09/2016
Eduardo Militão
João Valadares
Paulo de Tarso Lyra

 

Numa manobra de última hora, o julgamento de Dilma Rousseff foi fatiado, medida que conseguiu livrar a ex-presidente de ficar afastada de qualquer cargo público, concursado, eletivo ou comissionado, por oito anos, conforme havia adiantado a edição de ontem do Correio.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, decidiu que haveria duas votações: uma para a perda do mandato da petista e outra para decidir sobre a cassação dos direitos políticos dela.

Ronaldo Caiado tentou convencer os colegas a manter a punição mais alta à petista. “A conta pública não foi aprovada, ela está inelegível”, dizia. Na expectativa de salvar Dilma, Kátia Abreu (PMDB-TO), Jorge Viana (PT-AC) e João Capiberibe (PSB-AP) faziam um discurso sereno, bem diferente dos anteriores, em que aliados de Dilma atacavam os adversários. Tudo para conseguir uma punição mais branda. Kátia Abreu pediu serenidade aos colegas. “Peço que cada um não vote pelas palavras de uma pessoa, mas pela sua consciência e por aquilo que acreditam na personalidade da presidente Dilma, pois podem achar que ela cometeu erros administrativos, fiscais, mas não cometeu o erro do roubo, do desvio de dinheiro.”

Mas a “senha” fundamental para o PMDB despejar votos em favor de uma pena menor à ex-presidente foi dada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

“Afastar a presidente da República é constitucional”, iniciou o senador. “Pode afastar na forma da Constituição e da democracia? Pode, mas não é da Constituição inabilitar a presidente da República como consequência do seu afastamento. Essa decisão terá que ser tomada aqui, pelo plenário do Senado Federal. Nós não podemos deixar de julgar, nós temos que julgar, mas nós não podemos ser maus, desumanos. O meu voto é contrário à inabilitação.” A seguir, o plenário aplaudiu Renan, indicando que o PMDB não estaria com o PSDB nessa parte do processo.

 

Mudança

Na semana passada, durante reunião dos líderes partidários com Lewandowski, o senador Lindbergh Faria (PT-RJ) defendeu que era possível desmembrar a cassação de Dilma da perda dos direitos políticos. Na ocasião, segundo informações de parlamentares presentes, o presidente do STF teria dado a interpretação de que não seria possível dissociar uma coisa da outra.

O assunto voltou à tona após uma reunião da bancada do PT do Senado, onde o partido, acompanhado do advogado de defesa, José Eduardo Cardozo, decidiu insistir no destaque. Surpreendentemente, Lewandowski mudou o entendimento e decidiu que apresentaria ao plenário a possibilidade do destaque em separado proposto pelo PT.

Renan foi avisado. Ele ligou, então para o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), que foi surpreendido. “Eunício, não faz nada, não encaminha nada, deixa que o Lewandowski vai fazer isso. Não faz marola nenhuma”, pediu Renan. Eunício ficou calado.

Na sessão, Renan pediu a palavra quando a votação do destaque foi encaminhada para pacificar os ânimos e indicar, para a maioria da Casa, o caminho a seguir. Senadores tucanos insinuaram que o presidente Renan teria acertado a troca do destaque pelo reajuste dos ministros do Supremo. Todas as demais partes negam.

Senadores como Omar Aziz perguntavam se a norma valeria para a futura votação do processo de cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para eles, a regra que ajudou Dilma pode ajudar o parlamentar algoz da ex-presidente. Aziz chegou a perguntar ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que comandava a sessão, qual seria a situação de Cunha. No entanto, o ministro disse que não poderia se manifestar porque o julgamento tratava de outro tema.

O senador Cássio Cunha Lima chegou a ironizar a vitória parcial do PT na votação, chamando-a de “acordo entre Dilma e Eduardo Cunha”. O senador Lindbergh e o advogado da ex-presidente, José Eduardo Cardozo, negaram essa possibilidade. Segundo eles, essa análise da inabilitação só se refere a presidentes da República em casos de julgamento por crime de responsabilidade.

Governadores, prefeitos e parlamentares continuariam sendo processados de maneira comum. Portanto, estariam sob os efeitos diretos da Lei da Ficha Limpa, que prevê a suspensão dos direitos políticos por oito anos das pessoas cassadas.

 

Correio braziliense, n. 19456, 01/09/2016. Política, p. 4