Do ponto de vista das contas nacionais, é como se o governo da ex-presidente Dilma Rousseff nunca tivesse existido. O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre deste ano caiu 0,6% em relação aos três primeiros meses do ano, anunciou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na sexta queda seguida. Entre abril e junho foram produzidos R$ 1,53 trilhões em bens e serviços no país. É o mesmo valor, corrigido pela inflação, que se registrou no quarto trimestre de 2010, quando Dilma foi eleita para o seu primeiro mandato.
O pequeno crescimento econômico que se obteve nos primeiros anos em que ela passou no Planalto foi eliminado pela recessão iniciada no fim de 2014, exatamente quando ela conquistava o segundo mandato. Como a população brasileira ficou maior desde que Dilma chegou ao poder, houve perda de 9,73% na renda per capita . Foi mais forte do que a redução de 7,6% registrada entre 1981 e 1992, período conhecido como década perdida.
O péssimo desempenho econômico do Brasil foi decisivo para o impeachment de Dilma, segundo analistas. Ela alertou, no pronunciamento que fez ao Senado na segunda-feira, que o julgamento não poderia ocorrer pelo “conjunto da obra”, mas apenas por crime de responsabilidade. Não há dúvidas, porém, entre apoiadores e adversários da hoje ex-presidente, que o desemprego e a queda na renda foram levados em conta.
“Tem sido muito difícil explicar para as pessoas, principalmente no exterior, a magnitude da queda da economia brasileira”, disse o economista Evandro Buccini, da Rio Bravo Investimentos. “Havia algo estranho, que era, na verdade, a falta de confiança representada pela permanência de Dilma no poder”, avaliou.
Com a substituição da petista por Temer, os analistas de mercado estimam uma reação favorável dos números. Mas ela não virá logo. “O processo de recuperação deve ser mais lento do que o esperado”, avisou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Para Buccini, uma das maiores dificuldades está na recuperação do crédito, que tem sido bem mais difícil do que se esperava. Quando isso vier, ele notou, as pessoas poderão comprar mais e as empresas conseguirão aumentar a produção. “Só assim a economia poderá ganhar tração”, explicou.
A queda de 0,6% no PIB trimestral divulgada ontem pelo IBGE foi superior à estimativa média dos analistas de mercado, de redução de 0,5%. E o resultado fica ainda pior na comparação com o mesmo trimestre do ano passado, com redução de 3,8%. Quando se comparam os quatro últimos trimestres com o mesmo período do ano passado, o tombo é de 4,9%, o maior desde 1996.
Para a economista do IBGE Amanda Tavares, não há, por ora, elementos que indiquem o fim do ciclo recessivo. “As pessoas têm menos renda devido ao desemprego e à inflação. E o custo dos financiamentos está alto”, destacou. Tanto a carestia quanto os juros estão em patamar mais elevado do que no ano passado, ela notou.
Dos itens que compõem o PIB do lado da demanda, o consumo das famílias teve o pior desempenho, com queda de 0,7%. O do governo, caiu 0,5%. “A redução nesse item é uma boa notícia”, ressaltou Buccini, notando que o ajuste fiscal teve algum efeito, mesmo que aquém do que é esperado.
Menor nível
O investimento cresceu 0,4%, mas não o suficiente para mudar o patamar em relação à economia. A taxa de investimento está em 16,4% do PIB, o menor nível desde 2003, quando começava o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, início do ciclo petista no poder. Também na época, o país vivia um ciclo recessivo, que, graças aos ajustes promovidos por Lula e ao aumento dos preços de commodities que o país exporta, levou a um período de forte crescimento econômico. Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, o investimento teve queda de 8,8%. O setor externo teve contribuição negativa ao PIB do trimestre.
Pelo lado da oferta, a agricultura levou um tombo de 2%. Os serviços caíram 0,8%, também acima da média do PIB, o que é ainda mais relevante porque o setor responde por 72% do PIB. A indústria, que representa 22,7%, veio com alta de 0,3%. Isso é resultado da exportação de carros e caminhões, da melhora na extração de petróleo, com a retomada de atividade de algumas plataformas, e da volta de hidrelétricas no lugar de termelétricas, o que aumenta a eficiência na área de geração de energia.
O economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC) reconhece que não há muito a comemorar. “Por enquanto, o que se vê é apenas que a piora perdeu um pouco o ritmo”, afirmou ele. Ele acha, porém, que é possível contar com melhora. “O segundo semestre tende a ser melhor do que o primeiro em qualquer ano. E a confiança está aumentando”, notou.
Colheita ruim
A queda da agricultura só não foi mais prejudicial porque o setor representa apenas 5% do PIB. A economista do IBGE Amanda Tavares explica que isso se deve, entre outras razões, ao fenômeno climático El Niño. “Tivemos mais chuvas do que o normal no Sul e menos do que a média no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nos dois casos, isso prejudicou a produção”. A soja, por exemplo, teve queda de 0,9% na quantidade colhida. Mas a do milho foi de 20,5% e a do feijão, 9,1%.
Correio braziliense, n. 19456, 01/09/2016. Economia, p. 16