Gleisi e Paulo Bernardo viram réus no STF

Carolina Brígido e Renan Xavier

28/09/2016

 

 

Segundo denúncia aceita pela Corte, senadora e ex-ministro receberam R$ 1 milhão do esquema da Petrobras.

-BRASÍLIA- A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) abriu ontem ação penal e transformou em réus a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Kugler. O colegiado aceitou a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Gleisi, Paulo Bernardo e o empresário foram acusados de envolvimento no esquema de desvios de dinheiro da Petrobras e responderão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A decisão, unânime, teve os os votos dos ministros Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato na Corte, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Segundo a denúncia enviada ao STF em maio, Paulo Bernardo pediu R$ 1 milhão ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa para abastecer a campanha de Gleisi ao Senado em 2010. O dinheiro teria sido entregue por um intermediário do doleiro Alberto Youssef a Kugler, que é ligado ao casal. A quantia teria sido repassada em quatro parcelas de R$ 250 mil.

— Os elementos indiciários convergem no sentido de que, em tese, teria ocorrido a solicitação de vantagem indevida pelo denunciado Paulo Bernardo Silva a Paulo Roberto Costa, então diretor da Petrobras, no montante de R$ 1 milhão, para a campanha eleitoral de sua esposa, a denunciada Gleisi Helena Hoffmann, oriundos de desvio da Petrobras — disse Teori.

O relator explicou que, para aceitar a denúncia, não é necessário haver provas cabais no processo, mas apenas indícios de que os crimes ocorreram. Depois, ao longo da ação penal, as apurações devem ser aprofundadas para se verificar se os investigados cometeram os crimes.

— A descrição fática explicitada na denúncia, aliada aos indícios já descritos, revela, nesta fase, em que não se exige um juízo de certeza, material indiciário suficiente ao recebimento da denúncia e afasta as teses defensivas de ausência de descrição das condutas e o modo como teria ocorrido o delito — declarou o ministro.

Gleisi chefiou a Casa Civil no governo Dilma Rousseff de junho de 2011 a fevereiro de 2014. No processo de impeachment, foi uma das vozes mais firmes na defesa da petista no Congresso. Paulo Bernardo foi ministro do Planejamento no governo Lula, de 2005 a 2011, e das Comunicações, no governo Dilma, de 2011 a 2015.

A suposta participação do casal na Lava-Jato surgiu nas delações premiadas de Youssef e de Paulo Roberto. Em seguida, houve a delação do advogado Antônio Carlos Pieruccini, que detalhou como o dinheiro foi repassado para a campanha da petista. Em depoimento ao Ministério Público Federal, Pieruccini disse que levou R$ 1 milhão de São Paulo para Curitiba, a pedido de Youssef. O doleiro teria dito que o dinheiro se destinava à campanha de Gleisi em 2010.

Pieruccini disse que as entregas ocorreram numa sala de propriedade de Kugler, num shopping de Curitiba. Ele contou que levou uma caixa lacrada com a inscrição “P.B./Gleisi”. Ainda segundo Pieruccini, Kugler contou as notas, num total de R$ 250 mil, e disse que o valor “não dava nem para o cheiro”. Teriam ocorrido então outras três entregas, segundo o delator.

Para aceitar a denúncia, Teori ainda levou em consideração outros elementos de prova, além dos depoimentos. Um deles é uma agenda de Paulo Roberto apreendida em sua casa. Em uma das páginas, havia as iniciais de Paulo Bernardo seguidas do número 1,0. Segundo a denúncia, o ex-ministro teria oferecido a Paulo Roberto, como agradecimento pela propina, a sua manutenção no cargo de diretor da Petrobras.

Antes da votação, os advogados dos três investigados, em sustentação oral, defenderam o arquivamento do caso. Em resposta à decisão do STF, Gleisi disse que a denúncia aceita contra ela e seu marido é “muito ruim”:

— A peça apresentada pela Procuradoria Geral da República é uma peça muito adjetivada, muito ruim, que força muito a mão para tentar justificar o pedido de denúncia. E que, por mais que a gente tenha tentado falar sobre ela, nós não conseguimos esclarecer, até porque não é um momento em que os juízes se dedicam para fazer uma análise de provas — declarou. 

GLEISI: “ISSO NÃO É BASEADO EM FATOS”

Em sua defesa, Gleisi disse que não conhece Pieruccini:

— Isso não é baseado em fatos, apenas em delações. Depois da sexta versão, veja bem, sexta versão dada pelo Youssef, o sócio dele, esse tal de Pieruccini, aparece dizendo que foi ele quem tinha entregue o dinheiro. Tanto o empresário que ele aponta, nega, assim como eu. Eu não recebi esse dinheiro, eu não conheço esses personagens e nunca estive com Paulo Roberto Costa — afirmou Gleisi.

A senadora ressaltou que o voto de Teori lembra que ainda não há uma confirmação da ocorrência dos fatos. Ela disse esperar que o tribunal analise o caso com imparcialidade:

— O voto do relator, ministro Teori Zavascki, coloca que não tem certeza dos fatos ocorridos, portanto, me dá o benefício da dúvida, coisa que não tive até agora. Estou ciente de que o Supremo Tribunal Federal vai, ao analisar com profundidade o que tem no processo, com imparcialidade e espírito aberto, ver que não há sustentação, e a gente vai ter uma outra oportunidade de provar inocência — disse. Gleisi contestou o processo da Lava -Jato: — Está politizado esse processo da Lava-Jato. Está todo mundo muito pressionado pela própria sociedade. Todo mundo tem muito medo de errar e fazer coisas que não sejam corretas e pode ser que acabe exacerbando para outro lado — finalizou. (Estagiário sob supervisão de Francisco Leali).

 

O globo, n. 30368, 28/09/2016. País, p.12