Justiça anula júris de PMS condenados pelo massacre do Carandiru

Stella Borges

28/09/2016

 

 

Desembargador relator Ivan Sartori fala que houve ‘contenção necessária’ em ação que matou 111 presos.

-SÃO PAULO- A 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) anulou ontem os cinco julgamentos em que 74 policiais militares foram condenados em primeira instância pelo envolvimento no caso que ficou conhecido como “massacre do Carandiru”, em 1992 — 111 detentos foram assassinados numa ação para conter uma rebelião na penitenciária. Dos três desembargadores que votaram pela anulação, o relator da ação, desembargador Ivan Sartori, quis ainda a absolvição de todos os PMs.

— Não houve massacre. Houve sim uma contenção necessária à imposição da ordem e da disciplina — afirmou Sartori, durante seu parecer.

Os outros dois magistrados pediram apenas a anulação dos julgamentos para que novos sejam realizados. Como a decisão para um novo júri não foi unânime, cabe recurso.

A Promotoria informou que recebeu a decisão com “perplexidade” e que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ainda não há previsão de quando serão realizados os novos julgamentos.

A turma julgadora, composta também pelos desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão, analisou um recurso da defesa e entendeu que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Sartori foi além e pediu a absolvição dos policiais em seu voto: “Merece exame mais acurado, então, a alegação acusatória de que os réus tinham a intenção de praticar um massacre, mormente diante da necessidade inegável de restabelecer a ordem no local.”

Sartori baseou seu entendimento no fato de que três PMs já foram absolvidos pelos jurados em primeira instância. E que também não é possível individualizar a conduta de cada agente já que, sem exames de confronto balístico, não foi possível saber qual policial matou qual detento. Mas Sartori foi voto vencido no ponto da absolvição

Os outros dois desembargadores também destacaram que as provas do processo evidenciaram que a ação da polícia militar era necessária diante da situação que se apresentava na casa de detenção, e que os policiais agiram no estrito cumprimento do dever. Porém, no entendimento de Léllis e Brandão, não cabe a extensão da absolvição, pois a soberania do júri, prevista pela Constituição, deve ser respeitada. Por maioria de votos, ficou decidido que os réus devem ser submetidos a novo julgamento pelo 2º Tribunal do Júri da Capital.

Os cinco desembargadores integrantes da câmara recursal ainda vão se manifestar sobre manter um novo juri ou absolver os policiais, como propõe o relator.

O julgamento do massacre do Carandiru foi considerado um dos mais complexos já realizados no Brasil. Embora condenados a penas que variavam de 48 a 624 anos de reclusão, os policiais nunca foram presos porque aguardavam a análise do recurso da defesa.

Devido ao grande número de réus e a complexidade do caso, os julgamentos foram fatiados em quatro etapas, de acordo com os andares do Pavilhão 9, onde ocorreram as mortes. Os júris foram realizados entre abril de 2013 e março de 2014.

O coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a ação, foi encontrado morto com um tiro, no apartamento dele, em setembro de 2006. Até hoje, este crime segue sem solução.

 

O globo, n. 30368, 28/09/2016. País, p.13