Sai a reforma do ensino médio

 

22/09/2016
Patrícia Rodrigues

 

O governo deve anunciar hoje uma medida provisória (MP) com proposta de reforma do ensino médio, que possibilitará a flexibilização de disciplinas. Secretários de educação dos estados pedem que os currículos sejam organizados por áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas.

O governo entende que editar MP é melhor do que apresentar um projeto de lei porque a tramitação da primeira é mais rápida. No entanto, o Palácio do Planalto está receoso sobre o impacto político que a decisão terá.

Na prática, os alunos cursariam todas as disciplinas obrigatórias na primeira parte do ensino médio e depois estudariam português e matemática básica. As demais disciplinas seriam escolhidas de acordo com a aptidão de cada um. Quem desejar um curso universitário na área de humanas, como direito, não teria que estudar química, por exemplo.

Segundo o secretário de Educação do Distrito Federal, Júlio Gregório, essa mudança é uma demanda antiga de todos os secretários. “É um assunto que está sendo amplamente discutido desde 2012. Não é diminuir o número de componentes curriculares e, sim, flexibilizar as disciplinas”. Para o professor, o aluno poderá trilhar o caminho que deseja seguir.

As unidades da Federação poderão escolher a melhor forma de adaptar o currículo. “Os estados terão liberdade de formatação de sua rede”, informou o secretário Júlio. O coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da Universidade de Brasília, Isaac Roitman, relembrou que esse modelo de educação já existiu no Brasil. “Antigamente, a gente tinha que escolher entre o curso básico e o científico no chamado Secundário”. Segundo ele, o modelo dava ênfase para a vocação e “não tratava os alunos como rebanho”.

Segundo o especialista, a possibilidade de escolha do aluno é positiva em relação ao modelo tradicional que o país adota. “Um aluno com vocação para literatura e que poderia ser um grande escritor não vai sofrer na aula de matemática”, comentou. O professor ressalta, no entanto, que o estado precisa dar condições para que o aluno estude. “Se a escola está caindo aos pedaços, sem infraestrutura, e os professores estão doentes com depressão, não dá”.

O coordenador do curso de pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília, Célio da Cunha, concorda com a importância do incentivo financeiro para que a mudança ocorra. “Sem vontade política, seguida de maiores investimentos, nenhuma reforma avança”, disse.

Mesmo que a implementação ocorra de forma imediata, pode ser que o projeto dê certo apenas mais para frente. “Se o país retomar o crescimento econômico para que haja investimento na educação, pode ser que a proposta dê certo em médio e longo prazo”, ponderou Célio.

A notícia da mudança repercutiu nas redes sociais e atingiu até quem já cursou o ensino médio. Para a recém-formada em biomedicina Jéssica Fernandes, 25, essa proposta dará autonomia aos jovens. “Eles não estão preparados para escolher as disciplinas, vão escolher as mais fáceis”, acredita. Segundo a jovem, o ensino médio precisa de mudanças, sim, mas na didática, na hora de apresentar as disciplinas. As matérias não são pra usar no trabalho, e sim na vida”, finalizou.

 

Universidade

A principal dúvida dos especialistas e alunos é em relação ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como os alunos vão poder escolher as disciplinas, eles não devem ser cobrados no Enem por conteúdos que não estudaram.

A partir do momento em que a mudança for anunciada, o Ministério da Educação precisará pensar em alterações no Enem. “Não faz sentido o exame continuar da mesma forma. Prejudicará o aluno que não estudar uma disciplina específica”, explicou o Secretário Júlio Gregório.

Os especialistas em educação entendem que as provas do Enem devem ser adaptadas ao currículo escolar escolhido pelos alunos. “Ele vai ter que ser modificado de acordo com o curso superior que o aluno vai cursar”, afirmou o professor Isaac Roitman.

A medida provisória é baseada no Projeto de Lei (PL) 6.840/2013, que tramita na Câmara dos Deputados. Segundo o PL, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se tornaria obrigatório para os alunos, e o ensino médio se tornaria integral ao longo de 10 anos. Além de poder escolher as disciplinas que deseja cursar, o aluno poderia optar por uma formação técnica. “Apenas 16% dos alunos saem do ensino médio e ingressam na universidade. E os demais? Queremos abrir a possibilidade de formação profissional”, afirmou o secretário de Educação. Questionado sobre a mudança do Enem, o Ministério da Educação informou que só se pronunciará sobre o assunto durante coletiva de imprensa hoje.

 

Correio braziliense, n. 19477, 22/09/2016. Brasil, p. 8