Menos disciplinas, mais horas de aula

 

23/09/2016
Julia Chaib
Patrícia Rodrigues

 

Após 20 anos desde que foi promulgada,  a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), receberá alterações significativas que reformam o ensino médio. Por meio de medida provisória (MP), o governo prevê o aumento de carga horária anual mínima da etapa escolar de 800 para 1,4 mil horas progressivamente a partir de 2017. Também institui um currículo flexível, em que o aluno poderá cursar disciplinas optativas com ênfases em áreas específicas em pelo menos metade do total do ensino médio. O objetivo é implementar o tempo de ensino integral em todas as escolas, caracterizados por, no mínimo, 7 horas diárias. A MP foi assinada ontem em solenidade no Palácio do Planalto e deverá ser publicada nos próximos dias. O texto sofreu diversas alterações ao longo do dia de ontem.

Em diversos estados, o modelo de tempo integral já é aplicado em diversas escolas. Segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, o governo investirá R$ 1,5 bilhão para que 500 mil novos jovens iniciem os estudos em ensino integral até 2018. O governo lançará editais para que os sistemas de ensino estaduais indiquem escolas para adotarem o novo modelo, de forma que sejam 250 mil alunos novos em 2017 e mais 250 mil em 2018.

Serão investidos R$ 2 mil por aluno no ensino integral. O valor poderá ser aplicado, por exemplo, na remuneração de professores. Na próxima semana, o Ministério da Educação (MEC) deverá publicar uma portaria, seguida de uma resolução, que abarcará novas mudanças, por exemplo, a infraestrutura básica que as escolas deverão ter. Não há prazo final para o fim do aumento gradual da carga, mas o governo quer insituir a mudança até 2024, tomando como base as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). A Medida Provisória tem aplicação imediata, mas ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, antes de caducar, em até 120 dias.

Hoje, são 13 as disciplinas obrigatórias do Ensino Médio, que passarão por uma reanálise para compor a Base Curricular Comum, que está sendo discutida. A MP prevê que metade da carga horária total do ensino médio será destinada a essa Base, a ser aplicada ao país inteiro. Já a segunda metade da carga será destinada à escolha dos alunos em relação aos itinerários curriculares, que podem incluir disciplinas técnicas profissionalizantes. Caberá às redes de ensino estaduais — que englobam as secretarias de educação e conselhos de educação — decidir de que forma as matérias serão divididas ao longo do total da carga. E a etapa não será mais dividida por meio de anos letivos, mas módulos.

O que a MP prevê é que o currículo do ensino médio foque em cinco áreas fundamentais:  linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas, e formação técnica e profissional. E fica estabelecido como obrigatório o ensino de matemática e português durante os três anos do ensino. Fica definido também que o inglês será a opção de língua estrangeira que deverá ser ofertada, no entanto, não é obrigatório que ela seja ministrada durante toda a etapa escolar.

O ensino de disciplinas como artes e educação física, também poderão sofrer mudanças. Hoje, ambas as matérias devem ser ofertadas no ensino médio. A MP abre brecha para flexibilizar o ensino de ambas, ao defini-las como obrigatórias somente para os ensinos fundamental e infantil. A definição sobre como elas deverão ser ministradas será definida na Base Nacional Curricular.

A reforma prevê ainda que, conforme o aluno curse as disciplinas, ele poderá receber certificações por elas. E, caso queira alterar as ênfases em determinado momento, poderá fazê-las também. “É como se fosse um sistema de crédito da universidade”, disse o Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação, Rossieli Soares. O texto ainda prevê que, caso o aluno queira.

O ministro da Educação, Mendonça Filho, disse que a medida é necessária e que o Brasil permanece hoje “na contramão” do mundo e que o currículo atual é “engessado”. Apesar das mudanças propostas, o ministro buscou reforçar que as escolas passarão por um modelo de transição. “Ninguém vai mudar repentinamente o modelo atual. Isso é um processo gradual”, reforçou o ministro da Educação. A expectativa é de que a BNCC seja concluída até o fim o ano que vem. E a primeira turma a ter o novo modelo implementado na prática deverá ser no primeiro semestre de 2018, mas a depender da rede de ensino, a turma poderá ser implantada no ano que vem. O aluno poderá ganhar certificações parciais ao longo do processo, o que permitirá, por exemplo, que ele mude de ênfase. Caso o aluno queira, ele também poderá cursar um ano com outro itinerário de formação.

 

Debate

As mudanças são discutidas há anos por educadores. Mas especialistas se dividem quanto ao novo modelo. O diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves, diz que o novo modelo dá sentido aos jovens. “Se ele quer cursar engenharia, ele vai querer ter mais tempo para estudar física e matemática. Essa mudança está vindo tardiamente, inclusive. As experiências com o ensino médio integral no país são excelentes”, avalia. O Movimento Todos Pela Educação também apoia a reforma.

Já o especialista em Educação, professor da Universidade de Brasília (UnB), Remi Castioni, acredita que faltou debate antes da publicação da Medida e que não caberia ao Congresso aprová-las. “Não acho que o parlamento deveria aprovar medidas que vão impactar na sala de aula. O Enem já organizou o conteúdo por áreas de conhecimento. Tem muitas coisas que não foram debatidas. Já temos dificuldade para que os professores cumpram quatro/ cinco horas. Como fazer para cumprir sete horas?”

 

Currículo sob medida

Confira as principais mudanças previstas na medida provisória (MP) que deverá se publica hoje alterando o currículo desta etapa escolar

 

» Aumenta progressivamente de 800 horas para 1.400 horas a carga horária mínima anual do ensino médio até 2024, baseado no Plano Nacional da Educação (PNE)

» Até metade da carga horária total do ensino médio será para o aluno cursar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que ainda não está pronta, e será comum ao país inteiro

» Já a outra metade da carga horária total do ensino médio do aluno será destinada ao ensino de disciplinas que fazem parte de ênfases em áreas específicas, como linguagens e matemática, de acordo com a escolha do aluno

» O ensino profissionalizante entra como parte complementar às matérias obrigatórias. Hoje, o ensino profissionalizante pode ser feita de forma separada

» No lugar de anos letivos, a etapa será dividida em módulos. A rede de ensino estadual definirá a temporalidade, que pode ser definida em semestres, por exemplo

» A língua inglesa passa a ser o idioma obrigatório a ser ensinado nas escolas, mas não tem a previsão de ser obrigatório para os três anos. Por enquanto, somente português e matemática são obrigatórias ao longo de todo o ensino médio

» O texto da Medida Provisória (MP) flexibiliza o currículo do ensino médio. E tira obrigatoriedade do ensino da educação física durante os três anos. Na prática, porém, segundo integrantes do Ministério da Educação, a disciplina não poderá ser retirada.

 

Correio braziliense, n. 19479, 23/09/2016. Brasil, p. 6