MP é alvo de crítica

 
24/09/2016
Julia Chaib

 


Publicada ontem no Diário Oficial da União, a Medida Provisória que prevê uma ampla reforma no ensino médio é ponto de divergência entre especialistas e será questionada juridicamente. A MP tem aplicação imediata, mas precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias. Partidos de oposição vão ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionar a constitucionalidade da proposta. Nesta semana, o Ministério Público Federal criticou a forma de implementação da reforma, sob o argumento de que a medida foi construída sem o amplo debate.Apresentada na quinta-feira, a MP flexibiliza o currículo da etapa escolar, aumenta a carga de 800 para 1.400 horas anuais progressivamente para implementar o tempo integral e estabelece que, em até 50% do ensino médio, o aluno deverá cursar disciplinas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em discussão. Já na outra metade, o estudante poderá escolher entre cinco ênfases: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas, e formação técnica e profissional. Hoje, são 13 as disciplinas obrigatórias na etapa. A MP abre brecha para que alguns dos componentes deixem de ser obrigatórios, embora o Ministério da Educação (MEC) negue.O texto retira a obrigatoriedade do ensino de educação física, artes, sociologia e filosofia, por exemplo, até que seja publicada a BNCC. Uma alteração no artigo 4º da MP, feita em relação ao texto inicialmente distribuído à imprensa, garante que essas disciplinas não poderão ser retiradas até a base ser construída. Integrantes do MEC e outros especialistas afirmam que a tendência é que todos componentes sejam mantidos na lista de conteúdos obrigatórios a serem ministrados em pelo menos metade da etapa. Mesmo assim, o ponto é polêmico.

O PSol já prepara uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adi) contra a proposta. “Queremos apresentar o mais rápido possível. A medida restringe o pleno acesso direito dos alunos ao currículo escolar”, disse Luiz Araújo, presidente nacional do Psol e professor da faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).A principal polêmica em torno da reforma é o fato de ela ter sido editada por MP. Tramita no Congresso desde 2013 um projeto de lei sobre o assunto. O Ministério Público Federal publicou nota nesta semana, mesmo antes de a MP ser publicada, em que avalia que a medida é um instrumento “temerário” e “pouco democrático”. Elaborada pelo Grupo de Trabalho em Educação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), a nota diz que é uma “ilusão” do governo imaginar que pode apresentar soluções sozinho para problemas complexos. “Mais que inefetiva, a apresentação de soluções fáceis para problemas complexos é um erro perigoso”, finaliza.
O coordenador da Campanha Nacional pela Educação, Daniel Cara, diz que, embora o tema esteja em discussão há anos, a MP inova em alguns pontos, como abrir brecha para que disciplinas deixem de ser obrigatórias. “O conteúdo da reforma é novo. Por isso, não poderia ser por medida. Para uma reforma dar certo, ela precisa do envolvimento dos professores, dos alunos. O governo errou no método, no conteúdo e na arrogância de acreditar que está salvando a população”, diz.O coordenador diz também que a MP tira a relevância de disciplinas como artes, sociologia, e educação física. E, para Cara, por mais que o MEC diga que o conteúdo constará da base comum, não há garantia de implementação, porque não constam mais da lei e porque os estados ficarão livres para definir seus currículos.
Segundo Cara, a flexibilização do ensino não era um consenso dentro do debate. O ideal, para ele, era que seguisse a discussão no projeto de lei. “Daí a considerar que os secretários de educação, que há anos não realizam uma educação, e os empresários vão trazer a solução é muita ingenuidade”, disse. Da forma como está, na avaliação do coordenador, a MP acelera a profissionalização técnica dos alunos que pode descambar em desigualdade.  “O que o governo está fazendo é trazer a divisão. Os tomadores de decisão, com acesso ao conhecimento amplo, e os subordinados”, diz.

 

Correio braziliense, n. 19479, 24/09/2016. Brasil, p. 6