Correio braziliense, n. 19482, 27/09/2016. Política, p. 2

A propina de Palocci

Em mais um desdobramento da Operação Lava-Jato, Polícia Federal prende o ex-todo-poderoso ministro da Fazenda e da Casa Civil de Lula e Dilma, respectivamente. Suspeita é de que ele recebeu R$ 128 milhões ilegais da Odebrecht para o PT

Por: Eduardo Militão

 

A Polícia Federal prendeu ontem o ex-ministro Antônio Palocci, ex-titular da Fazenda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e da Casa Civil no de Dilma Rousseff, dentro da 35ª fase da Operação Lava-Jato, apelidada de Ormetá, com o cumprimento de 45 mandados judiciais em seis estados e no Distrito Federal. Também foram detidos temporariamente, por cinco dias, dois ex-assessores de Palocci: Branislav Kontic e Juscelino Dourado.

Para os investigadores, o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil acertou o pagamento de R$ 198 milhões em propinas da Odebrecht para o PT entre 2008 e 2013, mesmo depois de deixar o governo. Desse valor, porém, R$ 128 milhões foram efetivamente repassados pelo que se apurou até o momento, segundo o delegado Filipe Hile Pace. Em 2013, o ex-ministro ainda administrava um saldo de propinas de R$ 70 milhões a receber. Os beneficiários seriam ele e o PT.

A PF e o Ministério Público sustentam que Palocci ajudou a construtora Odebrecht em vários negócios. Mas, pelo que conseguiram levantar com mais profundidade até agora, eles destacaram quatro empreitadas em benefício da empreiteira que foram “pagas” com propina para os petistas.

O juiz da 13a Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, determinou o confisco de até R$ 128 milhões das contas de cada um dos presos — Palocci, Kontik e Dourado — e das empresas ligadas a eles. O advogado de Palocci, Guilherme Batochio, disse que a apuração era desconhecida da defesa. “É padrão Lava-Jato: tudo absolutamente secreto, no estilo ditadura militar”, ironizou, logo nas primeiras horas da manhã. O ex-ministro respondia a um inquérito desde 2015 em Curitiba. No entanto, Batochio informou que se trata de assunto diferente dos apurados nesta fase.

O pai dele,  José Roberto Batochio, outro defensor de Palocci, engrossou as críticas. “Estamos voltando ao tempo do autoritarismo”, completou. Ele questionou se a prisão de Palocci era necessária porque ele é médico e tem endereço certo para prestar esclarecimentos: “Ou é espetáculo?”. A Odebrecht informou que não comentará o caso. O Partido dos Trabalhadores, que tem dito que todas as doações que recebe são legais, repudiou a ação e a postura do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes (leia mais na página 4). A operação ocorreu poucas horas depois de Moraes, chefe da PF, avisar que ocorreria mais uma fase da Lava-Jato. “Teve a semana passada e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos”, disse ele no domingo à noite. “Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim.”

Pela legislação eleitoral, ontem foi o último dia possível para se realizarem prisões. Ninguém pode ser detido cinco dias antes da votação e dois dias depois dela, a não ser em caso de flagrante ou condenação judicial, de acordo com o artigo 236 do Código Eleitoral. O delegado Filipe Pace afirmou que, se for necessário, vai pedir a renovação da prisão de Palocci, mesmo com o período eleitoral. Juristas defendem que a continuidade da detenção às vésperas da votação não é proibida pelas leis brasileiras.

 

Medida provisória

Segundo o Ministério Público, mesmo após a saída do governo Dilma, o ex-ministro Antônio Palocci continuou atuando em favor da Odebrecht, mas de maneira ilícita. Há troca de comunicações entre eles até, “pelo menos, maio de 2015”, inclusive com uso de aparelhos com criptografia. Foram vasculhados os celulares do presidente afastado da empreiteira, Marcelo Odebrecht, com anotações de reuniões e recados para o ex-ministro, além de registros de pagamento de suborno na planilha “Posição Programa Especial Italiano”, em que “Italiano” é o apelido do ex-ministro. A contabilidade paralela era feita no Setor de Operações Estruturadas da construtora, espécie de “departamento financeiro da propina”.

Para a PF e o MPF, o ex-ministro de Lula e Dilma negociou com o maior grupo de construção do Brasil a aprovação da Medida Provisória nº 460/2009. A normal resultaria em mais de R$ 200 bilhões em benefícios fiscais para diversas empresas com o uso do chamado crédito-prêmio de IPI. Apesar dessa medida ter sido derrubada depois pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi acertada uma “compensação” à empreiteira com obras, inclusive na Petrobras, e um “mix” de soluções tributárias, de acordo com mensagens e anotações apreendidas com o telefone celular de Marcelo Odebrecht.

Outra atuação de Palocci ocorreu no programa de desenvolvimento de submarino nuclear entre a Marinha e a Odebrecht, o Prosub. Uma terceira foi o financiamento do BNDES para obras a serem realizadas em Angola. A polícia entende ainda que Palocci interferiu indevidamente em uma licitação, aberta em 2011, da Petrobras para contratar sondas para o pré-sal. Em 2012, a empresa Sete Brasil ganhou contrato de 21 sondas, cobrando da Petrobras US$ 530 mil por dia de aluguel de cada embarcação.

Para o delegado Pace, o papel de Palocci no esquema desvendado pela Lava-Jato é maior do que o do ex-ministro José Dirceu, preso e condenado. “Não restam dúvidas”, avaliou. “Mesmo depois de deixar o cargo, ele atuou, além dos valores movimentados com coordenação de Palocci… É razoável dizer que ele tem papel maior que Dirceu pelo menos a partir de 2008.”

 

Codinome e voto de silêncio

A 35ª fase da Lava-Jato, Ormetá, se refere ao codinome “Italiano”, pelo qual a empreiteira chamava Antonio Palocci nas planilhas em que relatava pagamentos de suborno e também ao “voto de silêncio” que afirma haver no grupo Odebrecht. A máfia da Itália, país de origem do sobrenome de Palocci, é a origem do nome desse pacto de proteção entre membros de organizações criminosas. A PF diz que esse voto da Odebrecht foi quebrado com a descoberta das planilhas e com as delações premiadas de ex-integrantes do Setor de Operações Estruturadas. O advogado de Palocci, José Roberto Batochio, questionou se o nome da operação não seria uma forma de “preconceito” contra o cliente, ele e tantos brasileiros que têm sobrenomes de origem italiana. (EM)

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Dinheiro a instituto

 

O delegado da Polícia Federal Filipe Hile Pace disse que o ex-ministro Antonio Palocci, preso na 34ª fase da Operação Lava-Jato, administrava propinas que foram destinadas para a futura construção de nova sede para o Instituto Lula. Segundo ele, anotações do presidente afastado da empreiteira Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, mostram o registro “Prédio (IL)”, ligado à compra de um terreno. Uma despesa de R$ 12 milhões, suspeita de ter origem em propina, era relacionada ao imóvel, segundo o Ministério Público.

O terreno foi comprado pela DAG Construtora, empresa de um amigo de Marcelo Odebrecht. No sítio de Atibaia (SP), atribuído ao ex-presidente Lula, foi apreendida uma minuta de contrato de compra do lote. Em nota, o Instituto Lula disse que funciona no mesmo local desde 1991, quando se chamava Instituto Cidadania, uma antiga casa no bairro Ipiranga, na Zona Sul de São Paulo. “O Instituto Lula não tem e nunca teve outra sede ou terreno”, afirma a assessoria. “Mais uma vez, querem impingir ao ex-presidente Lula uma acusação sem materialidade, um suposto favorecimento que nunca existiu, inventando uma sede que o Instituto Lula nunca teve, com o claro objetivo de difamar sua imagem.” (EM)