Correio braziliense, n. 19482, 27/09/2016. Política, p. 4

Temer chama Moraes para dar explicações

Ministro é acusado de fazer uso político da Polícia Federal. Ele anunciou, em ato de campanha no domingo, nova etapa da Operação Lava-Jato

Por: Julia Chaib

 

O anúncio do titular da Justiça, Alexandre de Moraes, em um ato de campanha do PSDB, no domingo, de que de haveria uma operação da Lava-Jato nesta semana, um dia antes da prisão de Antonio Palocci, se voltou contra o próprio ministro e comprometeu o Palácio do Planalto. Ontem, parlamentares do PT pediram à Procuradoria-Geral da República investigação sobre a conduta de Moraes para apurar se o titular da Justiça soube com antecedência da operação. E pedem o afastamento do ministro. Os parlamentares oposicionistas também querem que a Comissão de Ética da Presidência da República investigue o caso.

Ao saber da manifestação e da coincidência entre a fala e a prisão de Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos do PT, o presidente Michel Temer não gostou da declaração. Ontem, Temer e Moraes se falaram ao telefone e os dois devem conversar pessoalmente hoje. A Polícia Federal divulgou nota negando que o ministro tenha sido avisado da operação.

Ontem, o ministro explicou ao presidente que, ao dizer que haveria mais ações da Lava-Jato, se referia à continuidade da operação de modo genérico, e não como se soubesse de uma atividade específica que a Polícia Federal executaria esta semana. De todo modo, a avaliação no Planalto é de que a fala foi pelo menos infeliz e suscitou ataques ao governo.

A oposição imediatamente aproveitou a declaração do ministro tucano para reforçar as acusações de que o Planalto, que já esteve na mira de críticas, acusado de interferir na Lava-Jato, sabe das operações da Polícia Federal com antecedência e as usa politicamente.

As declarações de Moraes foram feitas no domingo, durante evento de campanha do deputado federal Duarte Nogueira (PSDB-SP), candidato a prefeito em Ribeirão Preto, cidade-natal de Palocci, a integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “Teve a semana passada e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim”, disse o ministro.

Ontem, Moraes disse que só soube da operação da Polícia Federal às 6h de ontem. “Foi uma afirmação genérica”, disse o ministro. Moraes passou o dia ontem em São Paulo, onde participou de um seminário sobre corrupção e lavagem de dinheiro, promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

 

Repercussão negativa

Ontem, nas redes sociais, Dilma disse que o país vive um momento “grave” e que caminha para o “Estado de Exceção”. “O anúncio de nova operação da Lava-Jato pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, num palanque eleitoral, em plena atividade de campanha em Ribeirão Preto, na véspera da prisão de Antonio Palocci, lança suspeitas de abuso de autoridade e do uso político da Polícia Federal”, escreveu Dilma.

A representação enviada pela oposição ao Ministério Público Federal se baseia no artigo 325 do Código Penal, que trata da violação de sigilo funcional, e no artigo 11 da Lei 8.429, de improbidade administrativa, pela revelação de uma informação que não poderia ser divulgada. A oposição também encaminhará à Comissão de Ética uma representação para que se investigue se Moraes violou o Código de Ética do Servidor Público, por ferir o sigilo funcional. A bancada do PT no Senado encaminhou pedidos de explicação sobre o pronunciamento ao Ministério da Justiça e à Casa CIvil. “Parece claro que há uma interferência política nas investigações e temos que saber o que de fato está acontecendo”, disse o líder da minoria no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ).

Na Câmara, deputados oposicionistas se mobilizaram e apresentaram requerimento à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para que convoque Moraes. “Antecipar informação privilegiada e, sobretudo, sigilosa é um ato criminoso e demonstra a interferência do Ministério da Justiça nas operações. A seletividade comprova que a Operação Lava-Jato virou instrumento de luta política contra os adversários do governo Temer”, diz trecho da representação.

 

Interferência

Há duas semanas, Temer exonerou o então advogado-Geral da União (AGU), Fábio Medina Osório, que acusou o governo de demiti-lo para tentar travar a operação sobre o esquema de corrupção na Petrobras. Segundo Medina, o Planalto tenta “abafar” as investigações. O governo rechaçou as declarações. A advogada-Geral da União, Grace Mendonça, também negou que o governo tente atrapalhar as investigações.

 

Moro solta alvos da Operação Arquivo X

O juiz federal Sérgio Moro mandou soltar todos os alvos da Operação Arquivo X, 34º desdobramento da Lava-Jato que prendeu o ex-ministro Guido Mantega (Fazenda), na quinta-feira. A decisão do juiz alcança outros sete investigados da Arquivo X — Luiz Cláudio Machado Ribeiro, Ruben Maciel da Costa Val, Luiz Eduardo Carneiro, Danilo Souza Baptista, Francisco Corrales Kindelan, Luiz Eduardo Neto Tachard e Júlio César Oliveira Silva. Moro impôs a eles três restrições: compromisso de comparecimento a todos os atos do processo e atenderem às intimações, mesmo no inquérito, por telefone; proibição de deixar a residência por mais de 30 dias sem pedir autorização judicial; e proibição de deixar o país sem sua autorização.