Correio braziliense, n. 19482, 27/09/2016. Economia, p. 7

Gasto no exterior volta a subir com queda do dólar

Despesas de brasileiros em viagens internacionais atingem US$ 1,29 bilhão em agosto, com alta de 2,3% em relação ao mesmo mês de 2015. Além da valorização do real, contribuiu para esse aumento o início da retomada da confiança na economia

Por: Antonio Temóteo

 

A queda no preço do dólar em 2016 e o aumento da confiança diante das perspectivas de melhora da economia brasileira levaram os brasileiros a aumentar os gastos com viagens internacionais. Dados do Banco Central (BC) divulgados ontem apontam que as despesas com passeios a outros países chegaram a US$ 1,29 bilhão em agosto, alta de 2,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Os desembolsos dos turistas não cresciam desde janeiro de 2015.

E a tendência é de que essas despesas aumentem nos próximos meses. Informações preliminares, coletadas pela autoridade monetária, apontam que, até 22 de setembro, os desembolsos de brasileiros no exterior chegaram a US$ 973 milhões. O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, estimou que, no nono mês do ano, o crescimento desses gastos será de 8,1%. Ele detalhou que a queda no preço do dólar, que registra desvalorização acumulada de 17% no ano, está sendo determinante para estimular os passeios, assim como a perspectiva de melhora na atividade. “Confiança é importante para quem viaja”, afirmou.

Apesar da melhora em relação a agosto 2015, Maciel detalhou que os gastos de brasileiros no exterior continuam abaixo dos patamares registrados no passado. No mesmo mês de 2014, por exemplo, as despesas somaram US$ 2,35 bilhões. Em 2013, totalizaram US$ 2,09 bilhões. Além disso, os desembolsos de brasileiros em passeios internacionais diminuíram 28,6%. Nos oito primeiros meses do ano, caíram para US$ 9,2 bilhões, ante US$ 12,8 bilhões, de 2015.

Acompanhando com lupa as variações no preço do dólar, a advogada Lúcia Malvo, 33 anos, aproveitou a cotação entre R$ 3,20 e R$ 3,30 para comprar dólares para uma viagem que fará. Pelo menos duas vezes ao ano, ela vai para os Estados Unidos visitar a filha que mora na Califórnia. Ontem, o custo da divisa estrangeira teve alta de 0,01%, cotado a R$ 3,247, no comercial, e no turismo, estava sendo vendido, em média a R$ 3,41. “As oscilações econômicas prejudicam quem precisa sair do país com frequência. Quando os preços abaixam o melhor a fazer, é aproveitar”, ressaltou.

O economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, explicou que o Brasil possui um grupo de pessoas de alta renda que, mesmo com a recessão, mantém o nível de gastos no exterior. Ele detalhou que a queda do dólar favorece que esse segmento da sociedade eleve as despesas durante os passeios. Entretanto, Camargo alertou que o ajuste nas contas externas, favorecido pela recessão, perderá força à medida que a economia brasileira se recuperar.

O aumento da confiança em relação ao processo de recuperação da economia brasileira e a queda do dólar levaram o BC a piorar as projeções para as contas externas. A autoridade monetária estimou que o deficit no balanço de pagamentos chegará a US$ 18 bilhões. Até junho, a expectativa era de uma necessidade de financiamento de US$ 15 bilhões. O ajuste ocorreu porque os técnicos do Departamento Econômico avaliaram que as importações terão um crescimento de US$ 1 bilhão.

Além disso, as despesas líquidas com viagens, que levam em conta os gastos de brasileiros no exterior e dos estrangeiros no Brasil, serão negativas em US$ 7,5 bilhões. “Na importação, tivemos alguma reação nos últimos meses em relação ao que vinha acontecendo ao longo do primeiro semestre. Isso também ocorreu no caso das viagens internacionais, que respondem mais rápido a mudanças no câmbio”, afirmou o chefe do Departamento Econômico do BC.

 

Projeção

Somente em agosto, o saldo das transações correntes ficou negativo em US$ 579 milhões, o menor para o mês desde 2007. O resultado surpreendeu o mercado que tinha expectativa de que a necessidade de financiamento variaria entre US$ 850 milhões e US$ 1 bilhão. Para o diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, Octavio de Barros, o saldo em transações correntes será deficitário em US$ 22,2 bilhões neste ano. Ele explicou que levou em conta uma cotação é de R$ 3,20 em dezembro e que o resultado será substancialmente inferior ao observado nos últimos dois anos.

“Os dados divulgados evidenciam continuidade do ajuste das contas externas, ainda que, conforme já dissemos, daqui para frente o ajuste será menos intenso devido à estabilização da atividade econômica. Além disso, possivelmente, o Investimento Direto no País se manterá robusto nos próximos meses”, destacou Barros.

A economista Julia Gottlieb, do Itaú Unibanco, projeta deficit em transações correntes de US$ 21 bilhões em 2016. “Do lado do financiamento, vale destacar a volta dos fortes ingressos de investimento direto no país no mês, depois das fracas entradas de julho, em função de uma operação específica no setor bancário. Os fluxos de renda fixa e ações, no entanto, voltaram a mostrar saídas no mês e no ano”, comentou. Na opinião dela, a valorização do real e o início do processo de estabilização da atividade doméstica ajudam a explicar a queda no ritmo de ajuste das contas externas.

 

Investimentos

Os investimentos estrangeiros em carteira mostraram saídas líquidas de US$ 3,8 bilhões em renda fixa e US$ 1,5 bilhão em ações no mês passado. Para Octavio de Barros, do Bradesco, nos próximos meses haverá alguma reversão nesses fluxos. “As entradas líquidas de ações já estavam até ocorrendo e foram interrompidas em agosto, mas de fato, dados do mês passado e parciais de setembro estão piores do que imaginávamos”, comentou. O que contrabalanceia esse resultado é que de fato o Investimento Direto no País (IDP) continua surpreendendo positivamente e deve chegar a US$ 70 bilhões em 2016.