Casal de ex-ministros vira réu na Lava-Jato

 

28/09/2016
Eduardo Militão

 

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) se tornou ré por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato. Ela; o marido, o ex-ministro Paulo Bernardo; e o empresário Ernesto Kugler foram denunciados sob acusação de participarem de um esquema para repassar R$ 1 milhão para a campanha da parlamentar com dinheiro desviado da Petrobras. Na terça-feira, os ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) receberam a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), baseada, principalmente, em ligações telefônicas, registros de posição de torres de celular e na colaboração premiada do advogado Antônio Fioravante Pieruccini.

A senadora, que foi chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff no primeiro mandato, disse em nota que recebeu a notícia “com profunda tristeza”. “Vejo a decisão desta terça-feira como uma nova oportunidade de provar, sem sombra de dúvidas, a nossa inocência.” A partir de agora, serão marcados os depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa, enquanto o Ministério Público e os advogados poderão anexar documentos e outras provas. No término, cada parte deverá apresentar suas alegações finais. O ministro Teori apresentará, então, um voto sobre o caso e vai levá-lo para a 2ª Turma. Não há prazo para conclusão do processo.

De acordo com a PGR, o ex-ministro Paulo Bernardo pediu uma ajuda à campanha de Gleisi para o Senado em 2010. O destinatário do pedido foi o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que administrava um “caixa de propinas” que arrecadava na estatal. O doleiro Alberto Youssef foi acionado e repassou R$ 1 milhão em quatro parcelas para o advogado Pieruccini em São Paulo, ainda segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ele levou o dinheiro para Curitiba e os entregou para Ernesto Kugler, amigo da senadora que participou da organização de jantares com o empresariado em 2010. De acordo com a PF, embora Gleisi negue, o empresário também atuou na arrecadação de fundos, segundo se interpreta dos 25 telefonemas travados por Kugler com o tesoureiro da parlamentar, Ronaldo Baltazar, e de três ligações para números registrados em nome da própria senadora.

A senadora e seu advogado, Rodrigo Mudrovitsch, alegaram que “a denúncia da PGR se baseia unicamente em questionáveis delações” premiadas de Paulo Roberto, Youssef e Pieruccini. Teori discordou. “Há outros inúmeros indícios que reforçam as declarações prestadas por colaboradores, tais como registros telefônicos, depoimentos, informações policiais e documentos apreendidos”, avaliou. Uma agenda apreendida com Paulo Roberto, antes de fechar acordo de delação, anotava o valor “0,1” ao lado das iniciais “PB”. Segundo revelou depois, tratava-se de R$ 1 milhão para Paulo Bernardo financiar a campanha da mulher.

Inicialmente, o ex-diretor da Petrobras e Youssef divergiram sobre quem teria recebido o pedido do ex-ministro. Gleisi afirma que há “seis versões diferentes” para um suposto fato. Mas, para Teori, o que importa é que “ambos declararam e ratificaram que, de fato, teria ocorrido um pedido da quantia mencionada por parte desse denunciado, com a respectiva autorização de Paulo Roberto Costa”.

 

Rádio-base

Para Gleisi, a denúncia não tem provas e é baseada “apenas em especulações que não são compatíveis com o que se espera de uma acusação penal”. “Desde o início desse lamentável episódio, quando injustamente fomos indiciados pela Polícia Federal, insistimos à exaustão que não há uma única prova concreta que aponte o recebimento de recursos ilícitos para minha campanha ao Senado, em 2010.” Ela destacou que Kugler sempre negou ter recebido o dinheiro. “Se Pieruccini esteve realmente quatro vezes com o empresário, por que a Polícia Federal não obteve provas físicas desses encontros?”.

Inquérito da PF afirma que um desses encontros foi em 3 de setembro de 2010, em Curitiba. Arquivos de posição das estações rádio-base mostram que, naquela data, Kugler telefona a partir do bairro Água Verde, em Curitiba, a cerca de 2km do bairro Portão, onde estava Pieruccini, advogado ligado ao doleiro. Segundo o delator, nessa ocasião ele repassou dinheiro a Kugler, que nunca explicou a suposta reunião. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Kugler.

A advogada de Paulo Bernardo, Verônica Sterman, destacou que a decisão do STF era apenas uma análise das formalidades da denúncia, sem aprofundamento do caso. “O Supremo limitou-se a discutir os aspectos formais da denúncia, sem se aprofundar na análise de provas”, destacou. “Ao longo da instrução restará demonstrada a não participação de Paulo Bernardo nesses fatos.”

 

Correio braziliense, n. 19483 , 28/09/2016. Política, p. 2