Temer vai à ONU de olho em investidores

Naira Trindade

O presidente Michel Temer desembarcou ontem em uma Nova Iorque com segurança reforçada após a explosão que deixou 29 feridos no sábado no bairro de Chelsea, em Manhattan (leia mais na página 10). O peemedebista manterá a tradição e fará amanhã o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. Na segunda agenda internacional desde que assumiu definitivamente a Presidência, há a expectativa de que Temer apresente o Brasil como um campo fértil ao investimento, mostrando o cenário econômico mundial, as propostas dos programas de concessões do governo e as mudanças climáticas.

Em linhas gerais, Temer deve seguir os mesmos moldes do discurso feito na Reunião de Cúpula do G20, no início deste mês, em Hangzou, na China. Lá, ele defendeu que o desafio econômico mais urgente do país é o de ordem fiscal, aspecto que levará à retomada da confiança na economia. “Nosso objetivo primordial é promover um ajuste estrutural dos gastos públicos num horizonte de 20 anos”, disse, na China. É esperado também que o presidente mencione os programas de parcerias público-privadas que o governo já anunciou. “Como reflexo desses esforços, já foi possível verificar uma positiva reversão de expectativas. É patente a elevação nos níveis de confiança dos agentes econômicos”, afirmou, na Ásia.

Interlocutores do Palácio do Planalto que participaram de uma reunião com o presidente na última quinta-feira para tratar do discurso em Nova Iorque lembram ainda que Temer deve mencionar os programas lançados na terça-feira passada por Moreira Franco, responsável pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). No pacote, estão previstos leilões de concessões na área de infraestrutura, transporte e saneamento, além da privatização de ativos, principalmente do setor elétrico. É previsto também que sejam mencionados os fundos de investimento brasileiros que estão dispostos a participar das parcerias.

Para o cientista político Virgílio Arraes, professor de História Contemporânea e do Instituto de Relações Exteriores da UnB, em momentos de crise, é adequado que o presidente tente atrair investidores. “A questão é que tipo de investidor o governo pretende. No discurso da Assembleia Geral da ONU não caberia pormenorizar porque é uma deferência ao Brasil e é momento de tratar de grandes temas, entre eles, da situação econômica mundial”, afirmou. Na avaliação de Arraes, deve haver uma preocupação com temas como o problema do Oriente Médio. “O momento difícil do Oriente Médio, que o Brasil tem relações de fraternidade, e a questão no Haiti”, citou o professor.

Assessores próximos a Temer evitam adiantar detalhes do discurso. Há a possibilidade de o presidente voltar a mencionar o momento político que o país viveu com a retirada da ex-presidente Dilma Rousseff — ele foi alvo de protestos no hotel em que está hospedado — a fim de frisar que o processo se deu de forma legítima. Porém, para Arraes, qualquer menção seria equivocada. “Quanto mais o Brasil tocar nisso, mais reaviva isso (o processo). A situação já se encerrou. Foi uma fase difícil pela qual o Brasil passou e se encerrou. Não deve ser citado a não ser que o presidente Temer esteja inseguro”, avaliou o cientista político. “Agora é pensar no futuro”.

O Brasil é o primeiro a se pronunciar na Assembleia Geral da ONU desde 1949. Além do discurso, que acontece amanhã, Temer fala hoje sobre a crise de refugiados no mundo, em reunião convocada pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. Na quarta, participa do encontro entre os países que assinaram o Acordo de Paris sobre mudança climática, quando deve ratificar a adesão do Brasil. Também estão previstos, na agenda nos Estados Unidos, encontros bilaterais com os presidentes do Uruguai, Tabaré Vázquez, de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e da Nigéria, Muhammadu Buhari.

Frase

"Quanto mais o Brasil tocar nisso, mais reaviva isso (o processo). A situação já se encerrou. Foi uma fase difícil pela qual o Brasil passou e se encerrou. Não deve ser citado a não ser que o presidente Temer esteja inseguro”

Virgílio Arraes, professor de História Contemporânea e do Instituto de Relações Exteriores da UnB

Memórias

Fernando Henrique Cardoso

Ao abrir a Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque em novembro de 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso lembrou que, por causa do atentado daquele 11 de setembro às Torres Gêmeas, o encontro fora atrasado por dois meses. “A violência absurda de um golpe vil e traiçoeiro dirigido contra os Estados Unidos da América e contra todos os povos amantes da paz e da liberdade”. FHC cobrou uma atuação mais forte e ágil da ONU, criticou os resultados da globalização, diante de desequilíbrios que prejudicam países em desenvolvimento e pediu maior entendimento entre as nações. “Nosso lema há de ser o da ‘globalização solidária’, em contraposição à atual globalização assimétrica”, afirmou o brasileiro, em português, na primeira vez dele na ONU.

Luiz Inácio Lula da Silva

Um ano após a crise mundial que afetou o mundo inteiro, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comemorava em 2009, que o Brasil passara ileso ao momento difícil mundial. “O Brasil — um dos últimos, felizmente, a sentir os efeitos da crise — é hoje um dos primeiros a sair dela. Não fizemos nenhuma mágica. Simplesmente havíamos preservado nosso sistema financeiro do vírus da especulação. Havíamos reduzido nossa vulnerabilidade externa, passando da condição de devedores à de credores internacionais”. No discurso, Lula reprovou duramente os países mais ricos por resistirem a encarar uma reforma dos organismos internacionais, que os torne “mais democráticos e representativos” para abordar a reorganização do sistema monetário internacional.

 

Dilma Rousseff

Três meses depois das manifestações de junho de 2013, que levaram milhares de pessoas às ruas por causa do aumento das tarifas de ônibus, a então presidente Dilma Rousseff enfatizou os protestos como “parte indissociável do processo de construção da democracia e de mudança social”. “O meu governo não as reprimiu, pelo contrário, ouviu e compreendeu a voz das ruas. Ouvimos e compreendemos porque nós viemos das ruas. Nós nos formamos no cotidiano das grandes lutas do Brasil. A rua é o nosso chão, a nossa base”, disse. Ao discursar, Dilma também criticou as ações de espionagem dos Estados Unidos no Brasil, alegando que elas “ferem” o direito internacional e “afrontam” a relação entre os países. Ela, assessores e a Petrobras haviam sido alvos de espionagem pelos país norte-americano. O caso foi revelado por Edward Snoden.

 

Correio braziliense, n. 19481, 19/09/2016. Política, p. 2