Valor econômico, v. 17, n. 4119, 26/10/2016. Brasil, p. A5

Câmara aprova PEC dos gastos em 2º turno

Para evitar atritos com a base, governo obstrui próprios projetos e até recua de vetos ao Simples

Por: Raphael Di Cunto, Thiago Resende e Fabio Murakawa

 

A Câmara aprovou ontem, em segundo turno, o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos, que limita o crescimento das despesas da União pela inflação. Foram 359 votos a 116, sete a menos do que no primeiro turno, há duas semanas, apesar da mobilização do governo, que passou o dia evitando atritos com a base.

O Palácio do Planalto mostrou-se rápido em desmobilizar rebeliões. Mal o presidente da Frente Parlamentar da Micro e Pequena Empresa, deputado Jorginho Mello (PR-SC), tinha acabado de protestar no plenário contra a "quebra de acordo" do governo, que vetaria 11 dos 26 dispositivos do projeto de reforma do Simples, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, já ligava para ele convidando para reunião.

O grupo voltou do Palácio com a promessa de que a maioria dos artigos será mantida, como a inclusão dos fabricantes de bebidas alcoólicas no Simples e a permissão de que o prestador de serviço do meio rural possa se tornar um microempreendedores individuais (MEI) sem perder o direito aos benefícios previdenciários - demandas dos deputados do Nordeste, Sul e da bancada ruralista.

"Não pode aprovar um projeto com mais de 300 votos, em acordo com o governo, e depois a Receita atrapalhar. Isso provocaria atritos", disse o relator do projeto, deputado Carlos Melles (DEM-MG), após foto com o presidente Michel Temer, que participou pessoalmente da reunião.

A articulação envolveu, ainda, impedir a aprovação de reajustes salariais para servidores públicos antes da PEC. O líder do governo, André Moura (PSC-SE), orientou a base a não dar quórum nas comissões que votariam os projetos, encaminhados pelo próprio Executivo, para não dar discurso de que o Congresso aprovou aumentos de salário no dia em que limitou gastos com programas sociais e investimentos. O custo será de R$ 4,5 bilhões em 2017 e de R$ 18,5 bilhões em três anos.

Após a votação, o porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, afirmou que o placar "reforça a convicção da sociedade em manter a responsabilidade das contas públicas". Para ele, o país entende que a responsabilidade fiscal e social é um fundamento da recuperação do emprego e da economia.

Ontem, alguns deputados favoráveis, porém, estavam em viagem oficial. E alguns que estavam ausentes no primeiro turno, mas apareceram para votar ontem, se mostraram na verdade dissidentes. "O partido fechou questão, mas tenho muitas dificuldades com o prazo e o impacto que terá nas carreiras e serviço público", disse Lincoln Portela (PRB-MG), que estava doente há duas semanas. Quatro ainda mudaram de voto, só um a favor do governo.

No plenário, a oposição ao projeto ficou limitada a PT, PCdoB, PDT, Psol e Rede, com menos de 100 voto. A dissidência na base foi o PSB: um terço do partido voltou a "trair" o governo, com o argumento de que a PEC também deveria limitar o pagamento da dívida.

A PEC estabelece que as principais despesas públicas primárias ficarão limitadas ao valor desembolsado no ano anterior, a ser corrigido pela inflação (IPCA). Alguns gastos estão de fora do teto. Entre as exceções estão as transferências constitucionais a Estados e municípios, recursos para educação básica e aumento de capital de empresas estatais.

A regra valerá por 20 anos, com possibilidade de revisão a partir do 10º ano. O relator, Darcísio Perondi (PMDB-RS), aumentou o piso para saúde e educação em relação à versão inicial do governo, mas a oposição manteve a crítica de que essas áreas terão as despesas congeladas. Já um dos vice-líderes da oposição, Silvio Costa (PTdoB-PE), defendeu o projeto e disse que parte dos oposicionistas é contra por "sectarismo". "Se não votar a favor da PEC pode chegar a hora que vai faltar dinheiro para o Bolsa Família, para os aposentados", disse.

Antes de encaminhar a PEC ao Senado, faltava votar os destaques da oposição para suprimir trechos do projeto, o que só ocorreria após o fechamento desta edição. Para o governo, o único risco era o plenário esvaziar. A oposição obstruiu por oito horas até a análise do texto-base. (Colaboraram Andrea Jubé e Bruno Peres)