Lula, o comandante

 

15/09/2016
Eduardo Militão

 

Ao apresentar denúncia por corrupção e lavagem contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério Público Federal apontou o petista como “comandante máximo” do esquema de desvios de dinheiro público na Petrobras e em outras estatais. Em uma entrevista coletiva transmitida ao vivo pela televisão, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, contextualizou a maneira como o presidente mais popular da história do país se envolveu em uma trama que deve levá-lo a se tornar, em poucos dias, réu em uma segunda ação penal no país. A decisão será tomada pelo juiz Sérgio Moro.

“O Ministério Público Federal acusa o senhor Luiz Inácio Lula da Silva como comandante máximo do esquema de corrupção”, disse, no fim da tarde de ontem, em um hotel no centro de Curitiba. O petista foi acusado de obter R$ 3,7 milhões em propinas apenas em uma parte do esquema. As acusações têm poder para arranhar a imagem do líder máximo do Partido dos Trabalhadores. A denúncia contra Lula tem 149 páginas com 305 anexos, assinada por 13 procuradores da República e protocolada na 13ª Vara Federal de Curitiba às 15h26 desta quarta-feira.

Segundo o coordenador da força-tarefa, Lula era o “o verdadeiro maestro dessa orquestra criminosa”. “Enquanto presidente da República, Lula tinha poder para orquestrar o esquema”, narra a acusação. “Era o único vértice comum de vários esquema de corrupção, de vários órgãos públicos em que o esquema se disseminou”, afirmou Deltan. Para comprovar, os procuradores anotaram 14 elementos que contextualizam a força do petista em relação à corrupção sistêmica encontrada no país. “Essas provas demonstram que Lula era o grande general que comandou a realização e a continuidade da prática dos crimes com poderes para determinar o funcionamento e, se quisesse, para determinar sua interrupção”, afirmou o procurador. Segundo ele, houve uma “propinocracia”, uma gestão regida por subornos usada para obter, de maneira criminosa, dois objetivos legítimos, a governabilidade e a perpetuação no poder. Outra meta era enriquecer ilicitamente os políticos.

 

PMDB e PP

Afirmações semelhantes já tinham sido feitas em parecer anterior ao juiz Sérgio Moro. Além disso, em inquérito no STF, a Procuradoria-Geral da República, em Brasília, apontou Lula como um dos participantes da grande organização criminosa que saqueou recursos de estatais junto com integrantes do PMDB e do PP. Mas o impacto das frases fortes e com adjetivos depreciativos na TV foi bem maior.

Deltan Dallagnol disse que não estava em jogo o legado do ex-presidente Lula e a avaliação de seu governo, mas a realização de crimes concretos identificados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. A denúncia toca em apenas uma dessas facetas: o recebimento de propinas por parte de Lula (corrupção), mas de forma dissimulada (lavagem de dinheiro). Na aquisição do tríplex 164-A, dizem os procuradores, a família do ex-presidente entregou um outro imóvel parcialmente pago e recebeu um bem maior da empreiteira OAS, resultando no pagamento de R$ 1,14 milhão. A personalização da nova residência resultou em mais R$ 926 mil e a decoração com móveis, mais R$ 300 mil. A OAS ainda pagou aluguel, por cinco anos, de serviços de transportadora para guardar acervo de Lula que ele trouxe do Palácio do Planalto para São Paulo: R$ 1,31 milhão.

Por outro lado, a empreiteira tinha três contratos de obras nas refinarias de Abreu e Lima, em Pernambuco, e Getúlio Vargas, no Paraná, de onde retirava as propinas, segundo a acusação. De acordo com o procurador Roberson Pozzobom, a maior parte dos recursos do “caixa de propinas” da OAS vinha da Petrobras.

Na denúncia, o MPF acusou Lula de receber R$ 3,7 milhões em propinas da OAS por meio de um tríplex reformado e mobiliado no Guarujá e também de armazenagem de bens que o petista trouxe do Palácio do Planalto quando deixou a Presidência. A OAS tinha obras em refinarias da Petrobras de onde extraía propinas. Um contrato com rasura mostraria que, desde o início, a família Lula já intentava adquirir o tríplex. MPF não confirma nem nega se pediu a prisão de Lula.

A denúncia pede a condenação de Lula, da ex-primeira-dama Marisa Letícia, do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e mais cinco pessoas ligadas a elas e à construtora. Os valores lavados somam R$ 87 milhões. Por isso, pedem o pagamento do dobro do valor em forma de confisco e ressarcimento aos cofres públicos. A OAS e a defesa de Pinheiro disseram ao Correio que não comentariam o caso. Os demais denunciados não foram localizados.

 

Correio braziliense, n. 19470, 15/09/2016. Política, p. 2