Cunha e ex-ministro viram réus por desvio na Caixa
Fábio Fabrini
27/10/2016
O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal, em Brasília, aceitou ontem denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o operador do mercado financeiro Lúcio Funaro e outras duas pessoas por esquema de desvio de recursos na Caixa Econômica Federal. Os envolvidos passam à condição de réus e responderão a ação penal por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, prevaricação e violação de sigilo funcional.
A ação penal é a terceira aberta contra Cunha por uma investigação decorrente da Operação Lava Jato; no caso de Henrique Alves, a primeira. Eles são acusados de cobrar e receber propina de empresas para liberar investimentos do FGTS em projetos bilionários.
Também são réus Alexandre Margotto, apontado como parceiro de Funaro em negócios, e Fábio Cleto, ex-vice-presidente de Fundos e Loterias da Caixa, que fez acordo de delação premiada e detalhou o suposto esquema de desvios.
Os executivos das empresas beneficiadas, entre elas OAS, Odebrecht, Carioca Engenharia e Eldorado Participações, são alvo de inquérito ainda em curso. A denúncia foi originalmente oferecida pelo procurador- geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal. Com a cassação, o expresidente da Câmara dos Deputados perdeu o foro privilegiado e o caso foi enviado pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato na Corte, à Justiça de primeiro grau.
Para a defesa de Cunha, a denúncia não deveria nem sequer ter sido recebida, pois ela “não contém uma só prova e está baseada apenas numa delação falsa de (Fábio) Cleto, que tentou incriminar Cunha”.
‘Mecanismos’. Na decisão, Oliveira afirmou que a peça de acusação está “jurídica e perfeitamente íntegra”, merecendo ser recebida, pois cumpre os requisitos do Código do Processo Penal (CPP). Ele disse ainda que o Ministério Público Federal detalhou como os réus se conheceram e articularam para a prática dos crimes a eles imputados.
Além disso, acrescentou o juiz, a Procuradoria também descreveu o papel de cada um no suposto esquema e contextualizou as operações financeiras no exterior, “a fim de que os valores da propina chegassem aos denunciados por meio de mecanismos variados”.
“A presente denúncia faz referência e traz como prova a farta documentação que relata com precisão de detalhes as operações junto à Caixa e os dados bancários de contas no exterior, planilhas, recibos e anotações feitas por alguns dos acusados”, escreveu o juiz federal.
Ele registrou também que a acusação se lastreia nos depoimentos de Cleto e de outros colaboradores, como Ricardo Pernambuco, da Carioca Engenharia, “que tiveram intensa atividade no acobertamento e entrega do dinheiro indicado como ilícito” aos destinatários.
“Com semelhante modus operandi, o Ministério Público descreve a aprovação irregular dos projetos no FI-FGTS Caixa, com atuação ativa e fundamental, além do recebimento de ‘propina’ pelo então vice-presidente Fábio Cleto por meio de Eduardo Cunha, que negociava os porcentuais e fazia os repasses aos demais”, disse Oliveira.
Ao citar Alves, ele lembrou que, conforme as investigações, o ex-ministro do Turismo omitiu de sua declaração de bens à Justiça Eleitoral valores depositados em conta na Suíça, “objeto do recebimento ilícito de operações” na Caixa.
Crimes. Na denúncia recebida, o Ministério Público Federal sustenta que Cunha praticou 18 vezes corrupção, uma vez prevaricação, 13 vezes violação de sigilo profissional e 321 vezes lavagem de dinheiro.
No caso de Henrique Alves, os procuradores alegam que o ex-ministro incorreu três vezes em corrupção, três vezes em lavagem de dinheiro e uma vez na violação do Código Eleitoral.
Alves deixou o Ministério do Turismo em junho deste ano, no dia seguinte à divulgação da delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Na colaboração com Operação a Lava Jato, Machado acusou o ex-ministro de ter recebido propina de R$ 1,55 milhão entre 2008 e 2014. À época, Alves afirmou que todas as doações para as campanhas foram oficiais e declaradas.
Tramitação. Oliveira determinou a citação, com urgência, dos réus, para que respondam à acusação em até dez dias, apresentando documentos e indicando testemunhas. O juiz federal destacou a necessidade de tramitação célere da ação, pelo fato de haver réu preso. Tratase a uma referência a Funaro, na prisão desde 1.º de julho. O magistrado ordenou o agendamento de audiência de custódia para avaliar a pertinência de manter o operador do mercado financeiro encarcerado.
Cunha está preso preventivamente em Curitiba – base da primeira instância da Operação Lava Jato – desde o último dia 19, mas por causa de inquérito que apura seu envolvimento em corrupção por desvios de recursos em contratos da Petrobrás.
Documentação
“A presente denúncia faz referência e traz como prova a farta documentação que relata com precisão de detalhes as operações junto à Caixa e os dados bancários de contas no exterior, planilhas, recibos e anotações feitas por alguns dos acusados.”
Vallisney de Souza Oliveira
JUIZ DA 10ª VARA FEDERAL, EM BRASÍLIA
AÇÕES
Navios-sonda
A 1ª denúncia contra Eduardo Cunha foi recebida em março pelo STF – ele é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Cunha teria recebido US$ 5 milhões em propina. A ação está no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Contas na Suíça
A outra ação penal é conduzida pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba. Cunha é acusado de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Na denúncia, aceita pelo STF em junho, a Procuradoria sustenta que Cunha manteve contas na Suíça abastecidas com propina.
Caixa
O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, em Brasília, aceitou ontem denúncia contra Cunha e mais 4 por esquema de desvios na Caixa.
O Estado de São Paulo, n. 44935, 27/10/2016. Política, p. A4