Valor econômico, v. 17, n. 4118, 25/10/2016. Brasil, p. A9

Dono de empreiteira agiu para mudar MP

Antonio Palocci: ex-ministro, quando deputado, atuou para colocar a Odebrecht em contato com Guido Mantega

Por: André Guilherme Vieira

 

Os ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e Guido Mantega e o empresário Marcelo Odebrecht agiram para beneficiar em uma medida provisória o grupo econômico, "em especial a Braskem ", segundo afirma o delegado Filipe Pace no indiciamento de Palocci por corrupção.

A empresa teria atuado para mudar o texto da Medida Provisória 460, que tratava de temas tributários. Na modificação, o Congresso criou alternativas para compensar a extinção do crédito-prêmio do IPI, um incentivo fiscal a exportadoras.

Análise de e-mails de Odebrecht mostra que foi sugerida a edição de uma MP que possibilitasse o parcelamento dos débitos tributários, com a condição de redução de 100% das multas de qualquer natureza, inclusive de ofício, e o uso de saldos de prejuízos fiscais e base negativa de cálculo, próprias ou de empresas do mesmo grupo econômico, na liquidação de débitos.

Em mensagem de 2 de setembro daquele ano, Marcelo Odebrecht encaminha a Antonio Palocci, por intermédio de seu assessor Branislav Kontic (que também está preso preventivamente) informações sobre a adoção dos chamados "prejuízos fiscais". Palocci neste tempo era deputado federal. Poucos dias antes, segundo a PF, em 28 de agosto de 2009, Marcelo Odebrecht determinou ao executivo Alexandrino Alencar que providenciasse a entrega de documentação a Palocci, ao então assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, e a assessores do, à época, ministro da Fazenda Guido Mantega. Os documentos elencavam razões para que os débitos do crédito-prêmio de IPI e o IPI zero tivessem o mesmo tratamento.

Em mensagem de 15 de setembro de 2009, Odebrecht indagou a Kontic se Palocci "havia conseguido agendar reunião entre eles e Guido Mantega, circunstância em que (...) fazia referências às intenções de Marcelo, com o auxílio explícito de Antonio Palocci, de buscar junto ao então ministro da Fazenda a edição de medida provisória que viesse a favorecer o grupo empresarial na questão do crédito-prêmio de IPI e IPI zero".

Em 5 de outubro, um executivo da Braskem, Maurício Ferro informou Marcelo Odebrecht, por e-mail, sobre mensagem que encaminhou ao então secretário-executivo da Fazenda, Nelson Machado. "Chamou a atenção o fato de que Maurício Ferro pareceu ter sugerido a Nelson Machado a redação de dispositivos legais", alerta o delegado Pace.

"Caro Nelson, seguem as propostas de que falamos na nossa reunião de quarta-feira. As duas primeiras (uso dos prejuízos fiscais do grupo econômico e dedução dos prejuízos fiscais de 2009, oriundos da despesa efetivamente incorrida com o desconto do Refis) já tratamos na nossa reunião. Por favor, veja se a redação atende. As outras duas visam gerar prejuízo fiscal com base no conceito discutido de antecipação de fluxo. A que trata do ágio é lastreada, inclusive, em direito já existente", afirma.

Dois dias depois Maurício Ferro informa Marcelo Odebrecht que enviou mensagem a Nelson Machado sobre as tratativas em torno do parcelamento dos débitos.

De acordo com a PF, "dias após as tratativas demonstradas, foi publicada a Medida Provisória nº 470/2009, que tratava da constituição de fonte adicional de recursos para ampliação de limites operacionais da Caixa Econômica Federal e dava outras providências", entre as quais a possibilidade de parcelamento dos "débitos decorrentes do aproveitamento indevido do incentivo fiscal setorial" e dos "oriundos da aquisição de matérias-primas(...)".

A PF destaca o fato de que em 30 de novembro de 2009, o então líder empresarial Bernardo Gradin comunicou aos integrantes do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal da Braskem a adesão ao Programa de Parcelamento de Débitos previsto na MP 470/2009.

Procurada, a Braskem disse que "reafirma compromisso com a elucidação dos fatos". A Odebrecht não se pronunciou sobre o assunto. Os advogados de Palocci e Kontic afirmam que as prisões e indiciamentos de ambos não se baseiam em fatos concretos.

Nelson Machado, em nota, disse que a disputa judicial relativa ao crédito-prêmio IPI durou décadas e terminou com vitória judicial da União no STF. "Todos os exportadores que haviam usado esse crédito para pagar seus tributos ficaram a descoberto e, em função disso, foi editada a MP para permitir o parcelamento desses tributos", afirmou. Ele confirma que a MP foi debatida entre o governo e "entidades da classe empresarial", mas afirma não se recordar "das pessoas que participaram da discussão".