Valor econômico, v. 17, n. 4117, 24/10/2016. Brasil, p. A4

Com a crise, salário inicial da mulher sobe mais que o do homem

Por: Lucas Marchesini

 

A crise econômica provocou uma mudança na tendência, verificada no mercado de trabalho em período recente, de um aprofundamento na diferença entre os salários iniciais pagos a homens e mulheres.

Levantamento feito pelo Valor com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra que a partir de abril do ano passado as mulheres tiveram aumento nominal maior no ganho inicial do que os homens. Em 2013 e 2014, os homens conseguiram alta maior no salário de admissão.

Entre abril e 2015 até junho deste ano (série fornecida pelo Ministério do Trabalho), o salário de admissão de mulheres cresceu 11,96% em termos nominais, enquanto o dos homens avançou 8,9%. Em 2013, o salário de admissão de homens avançou 4,88% ante 3,34% para mulheres. No ano seguinte, a alta foi de 1,76% para homens e 0,37% para mulheres.

Em 2015, a situação se inverte, com avanço de 1,89% para homens e 3% para mulheres. Nos seis primeiros meses de 2016, a alta é de 1,65% para as mulheres enquanto os homens têm queda de 0,37%. Todos os dados são nominais.

De acordo com especialistas consultados pelo Valor, o que explica a inversão da tendência é o maior impacto da crise em setores que empregam tradicionalmente mais mão de obra masculina: a construção civil e a indústria de transformação.

Os dois setores respondem por 59,5% do total de demissões líquidas acumuladas entre abril de 2014 e junho deste ano, ou 1,172 milhão de postos de trabalho fechados. O Ministério do Trabalho não soube informar o número de homens e mulheres que ocupavam essas vagas. A pasta não quis comentar os dados.

Itali Collini diretora do núcleo de pesquisa de gênero e raça da Faculdade de Economia e Administração da USP, afirma que "quando há crise, pessoas perdem emprego e cai o poder de barganha do trabalhador", o que é mais frequente nos setores com mais demissões. "Como nesses setores pode ter presença maior de homens, e eles foram os mais afetados, há um impacto maior na negociação de salário. Quem está desempregado vai negociar menos o salário do que antes", disse Itali.

Debora Barem, professora do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), adverte que, se essa for a razão para a diminuição do abismo salarial, "não é um ganho sustentável". Para ela, é preciso "mudança de mentalidade".

"Na parte racional, é muito simples. Quem tem maior competência, recebe melhores salários, mas no Brasil não vale a racionalidade", diz Debora, referindo-se a pesquisas que demonstram que as mulheres têm mais horas de estudo formal do que homens. "Na hora que melhorar a economia, a construção civil, a indústria de transformação contratarão mais. Aí volta a patamar que não é o patamar real."

As soluções, para as duas pesquisadoras, passam não somente por questões legislativas, mas principalmente por mudanças na cultura. "A legislação ajuda a alicerçar algumas coisas, mas em um primeiro momento, o que vai precisar é trazer isso para as escolas. A cultura se muda de uma geração para outra", afirma Debora.

"Existem fatores subjetivos na avaliação dos trabalhadores, o que afeta homens e mulheres diferentemente. Um dos caminhos é tentar identificar esses fatores subjetivos, como estereótipos de gênero, e pensar em ações culturais", avalia Itali. "Quando se coloca uma política de cima para baixo, nem sempre ela vai ter efeito esperado, porque não muda cultura lá dentro."