Valor econômico, v. 17, n. 4117, 24/10/2016. Política, p. A7

MPF suspeita de governo angolano

Por: Leticia Casado e Fabio Murakawa

 
 

O Ministério Público Federal no Distrito Federal suspeita da participação de agentes públicos de Angola no suposto esquema de corrupção que envolve financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para os investigadores, há "necessidade de prosseguir apurando condutas" de algumas pessoas, entre as quais funcionários do governo de Angola, apurou o Valor.

A investigação no Brasil virou ação penal, a terceira a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai responder. Na denúncia contra Lula e Marcelo Odebrecht, o MPF escreve que é pendente de aprofundamento a participação de funcionários do governo de Angola nos fatos explicitados e, por isso, outras pessoas - como agentes públicos do Brasil e de Angola - não foram denunciadas na ocasião.

Segundo os investigadores, "o esclarecimento completo dessas condutas, que demanda, por exemplo, atos de cooperação internacional, deverá ser realizado no bojo de novos inquéritos policiais/procedimentos ministeriais". O MPF citou ainda a necessidade de aprofundar as investigações sobre a participação de agentes públicos brasileiros.

Na denúncia, o MPF divide a suposta atuação de Lula em dois momentos: entre 2008 e 2010, quando, na condição de agente público, teria cometido crime de corrupção passiva; e entre 2011 e 2015, já como ex-presidente, quando teria praticado tráfico de influência. Ele também foi acusado de lavagem de dinheiro e organização criminosa, crimes que teriam sido praticados em diferentes momentos ao longo desses períodos.

Apesar de a contratação dos empréstimos ter se dado depois de Lula sair do cargo, a primeira parte da acusação afirma que os crimes teriam começado entre 2008 e 2010 e se estendido pelos anos posteriores (2011 a 2014). A Odebrecht contratou a empresa Exergia Brasil, de Taiguara Rodrigues, sobrinho da ex-mulher de Lula, em 2009 e, pelos serviços, a empresa recebeu R$ 20 milhões (R$ 31 milhões, em valores atualizados) entre 2009 e 2015, segundo o MPF.

O Instituto Lula afirma que a denúncia é "inepta", "extremamente leviana e ofensiva" ao seu trabalho com a África, que sua equipe organizou "dezenas de eventos, reuniões e debates em 22 viagens para 14 países" e que "não aponta fatos, nem condutas, nem tem provas". "Não aponta qual seria a conduta do ex-presidente que configuraria corrupção passiva entre 2008 e 2010", diz a entidade. "Também não há conduta, quanto mais provas, do suposto crime de 'influência' entre 2011 e 2015, quando já não era mais agente público."

O instituto diz ainda que o ex-presidente e sua esposa "têm todas as suas contas devassadas e não há nenhum centavo da Exergia nelas". A denúncia que envolve Angola é uma das linhas da Operação Janus, deflagrada em 20 de maio de 2016 por determinação da Justiça Federal de Brasília. Até agora, não houve compartilhamento de provas com a Operação Lava-Jato. Mas as obras da Odebrecht em Angola serão tratadas na delação premiada de executivos e ex-executivos do grupo, apurou o Valor.

Entre 2007 e 2015, a Odebrecht contratou US$ 3,333 bilhões para obras em Angola, segundo o BNDES. Incluídos nessa cifra, estão financiamentos para duas hidrelétricas - Cambambe e Laúca - que somam mais de US$ 1 bilhão.

A Odebrecht desembarcou em Angola em 1984, cinco anos após a ascensão de José Eduardo dos Santos, que está no poder desde setembro de 1979. Chegou para construir a hidrelétrica de Capanda, em uma amarração feita entre a ditadura militar brasileira e o presidente angolano. Com o país em guerra civil, a obra sofreu diversas interrupções até ser concluída em 2004, já no governo Lula.

As obras da empresa financiadas pelo BNDES estão na mira do MPF. Os procuradores suspeitam de superfaturamento nas hidrelétricas Cambambe, que a Odebrecht reformou e ampliou, e Laúca, ainda em construção. A primeira teve créditos de US$ 464,4 milhões, contratados em três etapas, entre 2012 e 2014. A segunda teve financiamentos de US$ 646,5 milhões, em duas etapas, a última em maio de 2015. A Exergia firmou desde 2011 contratos com a Odebrecht para "Aproveitamento Hidrelétrico em Cambambe" (valor total de R$ 3,5 milhões) e outros para "Aproveitamento Hidrelétrico em Laúca", (total de R$ 1,8 milhão).

Segundo o MPF, entre 2011 e 2014, a Odebrecht obteve junto ao BNDES 52 financiamentos/empréstimos ou aditamentos de contratos para órgãos e empresas de países da América Latina e África, no total de US$ 7,44 bilhões.