Valor econômico, v. 17, n. 4115, 20/10/2016. Política, p. A8

Colaboração atingiria núcleo do governo

Ligações de Cunha com operador e ex-presidente de empreiteira podem comprometer aliados

Por: André Guilherme Vieira

 

Implicado por evidências de envolvimento em corrupção e agora preso preventivamente por decisão do juiz federal Sergio Moro, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) passou ao rol dos delatores em potencial da Operação Lava-Jato por dispor de informações que poderiam envolver nas investigações integrantes do núcleo pemedebista do governo Michel Temer, como o ministro da secretaria de Governo Geddel Vieira Lima; o secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco; e o ministro dos Esportes Leonardo Picciani.

No pedido de prisão do ex-presidente da Câmara, os procuradores da República justificam a necessidade de encarcerá-lo e sinalizam interesse na colaboração de Cunha. "Boa parte do produto [da corrupção] e dos agentes públicos beneficiários de seus crimes ainda não são conhecidos".

No mesmo pedido, o Ministério Público Federal (MPF) destaca que o ex-parlamentar, mesmo afastado do cargo e sem mandato, "ainda mantém influência nos seus correligionários, tendo participado de indicações de cargos políticos do governo Temer".

Os investigadores mencionam que, ao assumir a Presidência, em maio, Temer nomeou um aliado de Cunha para o ministério dos Transportes, o deputado Mauricio Quintela (PR-AL), "que havia votado em favor de Eduardo Cunha no Conselho de Ética", destacam.

Um dos eixos que podem ser explorados caso o ex-deputado colabore é em relação às mensagens trocadas com o ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Azevedo, que já confessou corrupção em delação premiada.

Documentos apreendidos e relatos de delatores da Lava-Jato apontam para uma relação de proximidade de Cunha com Azevedo. Em mensagens telefônicas trocadas em julho de 2014 e encontradas em celulares apreendidos pela PF, Cunha forneceu a Otávio Azevedo dados da conta de campanha de Henrique Eduardo Alves, ex-ministro do Turismo de Temer, que foi candidato derrotado ao governo do Rio Grande do Norte. A Andrade Gutierrez doou R$ 100 mil àquela campanha de Alves, segundo a Justiça Eleitoral.

A Procuradoria Geral da República (PGR) afirma que a empreiteira Carioca Engenharia fez pagamentos indevidos em uma conta secreta na Suíça que teria Alves como beneficiário. Os repasses teriam sido orientados por Cunha, segundo a PGR.

Também foi Cunha quem indicou o agora delator Fábio Cleto para a vice-presidência de Fundos e Loterias da Caixa em 2011, durante o governo Dilma Rousseff. A nomeação foi avalizada por Henrique Eduardo Alves, então líder do PMDB na Câmara.

Na delação, Cleto disse que se encontrou com representantes das empreiteiras do consórcio para revitalização do Porto Maravilha, obra de urbanização no Rio de janeiro, tocada pela Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, em um hotel de São Paulo.

Cunha orientou Cleto a encaminhar projeto de captação de recursos do FI-FGTS. A Caixa adquiriu os títulos criados para execução do projeto, no valor de R$ 3,5 bilhões. Segundo a delação dos donos da Carioca Engenharia, foi necessário pagar propina de R$ 52 milhões para garantir a liberação do dinheiro.

No caso de Moreira Franco, Cunha teria dito a interlocutores que teria sido ele o responsável pela montagem da operação de financiamento que envolveu a obra do Porto Maravilha.

Fábio Cleto também foi o responsável por entregar o doleiro acusado de ser o operador financeiro de Cunha, Lúcio Funaro, preso na Operação Sépsis.

Cunha poderia esclarecer a natureza do relacionamento mantido por Funaro com Geddel Vieira Lima. O secretário de governo de Temer já confirmou ter mantido encontros de "cortesia" com o operador de Cunha em Brasília e em São Paulo. Geddel foi vice-presidente da Caixa de março de 2011 a dezembro de 2013.

No caso de Leonardo Picciani, uma ex-executiva da Carioca Engenharia relatou, em âmbito de acordo de leniência da empresa, que uma empresa da família Picciani teria praticado caixa dois por meio da comercialização de gado.