Lula se defende e ataca procuradores

 

16/09/2016
Paulo de Tarso Lyra

 

Um dia depois de ser denunciado pelo Ministério Público Federal como o “comandante máximo do maior esquema de corrupção já investigado no país”, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu-se, em um discurso de mais de uma hora, das acusações de ser dono de um tríplex no Guarujá e de um sítio em Atibaia, ambos em São Paulo. O petista alternou momentos em que se emocionou ao falar da família — a ex-primeira-dama Marisa Letícia também foi denunciada pelo MPF — com ataques aos adversários políticos e aos procuradores de Curitiba que apresentaram a denúncia. “Inventaram que eu tinha coisas que não tenho. Se não têm como provar, peçam desculpas. Provem, que vou a pé a Curitiba para ser preso”, exigiu.

Comparando com o discurso de março — quando após uma condução coercitiva disse que haviam tentado “matar a jararaca, mas não tinham acertado na cabeça e, por isso, ela estava mais viva do que nunca” —, Lula estava mais sereno ontem. Era orientação dos advogados, como ele próprio admitiu, um cuidado para não se enrolar nas palavras. E adotou um discurso político para justificar os ataques que ele e o PT sofrem. Acrescentou que as elites ficaram com ódio porque foi em seu governo — nenhuma menção à sucessora, Dilma Rousseff — que se promoveu a revolução da inclusão social, sem um golpe ou um tiro, dentro dos princípios democráticos.

O petista atacou os procuradores, comandados por Deltan Dallagnol, que ofereceram a denúncia contra ele. Lembrou que participou da Assembleia Nacional Constituinte em 1988, quando o Ministério Público foi criado e pediu à “ala séria” do MP que não permita que “uma dúzia de pessoas estraguem a história da instituição”. “Conheço gente que sonha em conquistar cinco minutos de glória aparecendo a carinha na televisão. Para isso, inventam uma mentira e têm que ficar repetindo sempre.” E pediu respeito: “Querem me investigar, me investiguem, querem que eu preste depoimento, que convoquem. Só quero que sejam verdadeiros e honestos comigo, que respeitem dona Marisa”.

O ex-presidente também buscou animar a militância, estimulando-a a sair às ruas usando camisetas vermelhas. Traçou um histórico de sua trajetória desde os tempos de líder sindical, passando pela fundação do PT, as sucessivas derrotas até conseguir se eleger presidente em 2002. Rememorou a crise do mensalão, a reeleição — sem nenhuma autocrítica sobre o primeiro escândalo de corrupção da era petista — e disse que, para irritar ainda mais os adversários, elegeu “aquela mulher que eles achavam um poste”. Citou também a injustiça do impeachment. E só. O foco era ele.

 

O futuro

“Eu me conheço, sei de onde vim. Sei quem quer que eu saia e quem quer que eu volte”, avisou. Mas deixou em aberto o futuro. Diferentemente de pronunciamentos anteriores e do desejo expresso da máquina partidária, Lula não mencionou se será candidato em 2018. Disse que, por convicção — um trocadilho para provocar os procuradores —, sabe que o país que ele sonha ainda está longe de ser construído. E avisou aos adversários que não adianta tentar destruí-lo ou exterminar o PT. “Estou com 71 anos, me preparando fisicamente para viver mais 20. Não se preocupem só com o Lula. Tem um monte de gente mais nova que eu, como essa meninada que proibiu o Alckmin (Geraldo Alckmin, governador de São Paulo), de fechar as escolas em São Paulo, que está vindo para a rua reivindicar mais democracia”.

Os principais líderes do PSDB optaram pela discrição ao comentar a denúncia. “Sou uma pessoa cautelosa, é preciso ver o que diz a Justiça”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depois de um encontro com o candidato do partido à prefeitura do Rio, Carlos Roberto Osório, com quem almoçou no Jockey Club Brasileiro, no Rio de Janeiro. “O presidente Lula passa por um momento difícil”, completou. Para o ex-presidente, o impeachment de Dilma Rousseff e a cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) são “páginas viradas”. A diferença, afirmou, é que a perda de mandato do ex-presidente da Câmara “é um caso menor, que não tem consequência histórica”, avaliou Fernando Henrique.

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), evitou comentar o tom político da entrevista dos procuradores da Lava-Jato ao anunciarem a denúncia, em Curitiba. “Não tenho condição de avaliar a retórica do Ministério Público”, declarou. Embora tenha dito que o PT “tenta transferir a outros a responsabilidade que é dele”, Aécio também não quis se aprofundar em comentários na denúncia contra Lula. “Nosso papel hoje não é contestar, agravar, radicalizar”, afirmou.

 

Correio braziliense, n. 19471, 16/09/2016. Política, p. 2