Valor econômico, v. 17, n. 4116, 21/10/2016. Política, p. A6

"Eu quero falar, eu vou falar", diz Cunha a advogados

Ex-deputado foi alertado de que só um acordo reduz pena; MPF exige mínimo de três anos de reclusão

Por: André Guilherme Vieira

 

O ex-deputado cassado Eduardo Cunha disse ontem a seus advogados que está disposto a prestar informações para colaborar com as investigações da Operação Lava-Jato. "Eu quero falar, eu vou falar", afirmou o ex-presidente da Câmara, conforme apurou oValor com fontes próximas ao caso.

A intenção inicial de Cunha seria de depor sem fechar acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF). Os defensores de Cunha, no entanto, o alertaram para as implicações decorrentes da confissão fora de uma colaboração. Processado por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-deputado está sujeito à uma sentença que, em tese, pode ultrapassar 20 anos, caso o juiz federal Sergio Moro opte por condená-lo às penas máximas previstas pelos delitos a que responde.

A corrupção tem pena máxima de 12 anos, mas que pode ser aumentada em até um terço. Já a lavagem de capitais contabiliza 10 anos. A mulher de Cunha, Claudia Cruz, é acusada de lavagem e evasão de divisas de cerca de US$ 1 milhão e responde à ação penal também sob a tutela de Moro.

Cunha já foi informado por seus advogados de uma exigência da qual o MPF não abre mão para começar a conversar sobre um eventual acordo, caso haja interesse por parte dos procuradores: ele terá de concordar com o cumprimento de um período mínimo de três anos, em regime fechado, se de fato passar à condição de delator da Lava-Jato - e o acordo for homologado. Para os procuradores da República que integram a força-tarefa, o cumprimento de pena de reclusão por Cunha tem caráter pedagógico, porque o ex-parlamentar se tornaria um símbolo do que pode acontecer a políticos que se envolvam em corrupção. Os investigadores dispõem de documentos e extratos bancários, inclusive enviados pela Suíça, que consideram mais do que suficientes para manter Cunha atrás das grades.

O MPF juntou à investigação evidências que apontam que o patrimônio de Eduardo Cunha é 53 vezes maior do que o declarado à Receita Federal. Os investigadores suspeitam que exista mais dinheiro escondido em contas ainda não rastreadas nos Estados Unidos. Os indícios têm por base informações obtidas em cooperação internacional com o Ministério Público suíço.

Desde que foi encarcerado na custódia da Polícia Federal (PF) em Curitiba, na quarta-feira, Cunha teve conversas longas e tensas com integrantes de sua equipe de advogados. Em um dos diálogos, um dos defensores deixou clara a situação do ex-deputado.

"A questão agora é preservar a sua família, salvar a sua mulher. Por enquanto, é preciso esquecer a vida pública", disse um deles, segundo o relato de uma fonte próxima de familiares de Cunha.

Desde que foi preso, Cunha teve rompantes de raiva durante as conversas com os advogados. Ele disse repetidas vezes que quer entregar o que sabe sobre supostos ilícitos que envolveriam Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos e figura importante do governo do presidente Michel Temer. Moreira Franco tem negado qualquer envolvimento em irregularidades.

Em outro momento de explosão, Cunha teria dito aos advogados que dispõe de informações para "arrebentar" com parte do setor privado, e mencionou a ocorrência de irregularidades que envolveriam as áreas de telefonia, portos além de problemas na edição de medidas provisórias - suspeitas de irregularidades em MPs editadas nos governos Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva já são investigadas pela Operação Zelotes e pela própria Lava-Jato.

Ontem de manhã Cunha fez exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal. De volta à prisão, recebeu a refeição servida a todos os presos. Comeu arroz, feijão, frango e salada.

Ele está em cela individual de 12 metros quadrados na Polícia Federal. Dorme em beliche de cimento.

Cunha ocupa a mesma ala do ex-ministro Antonio Palocci, preso em 26 de setembro. Entre as celas de ambos há outra destinada a abrigar detidos em flagrante que aguardam transferência para outros presídios. Ontem, um traficante ocupou essa cela.