Valor econômico, v. 17, n. 4116, 21/10/2016. Política, p. A9

Ação contra chapa de 2014 pode afetar partidos

Relator de processos que pedem cassação de candidatura Dilma-Temer prevê que provas surgirão

Por: Letícia Casado / Carolina Oms

 

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Herman Benjamin, que assumiu a relatoria das quatro ações em que o PSDB pede a cassação da chapa presidencial vencedora em 2014, de Dilma Rousseff e Michel Temer, disse ao Valor que o processo é "pioneiro" e pode, inclusive, produzir novas provas para embasar processos envolvendo também os partidos políticos.

"Temos no tribunal pedidos para investigar partidos políticos", disse o ministro, referindo-se às ações de investigação contra PT, PMDB e PP que tramitam na Corte por suposto recebimento de dinheiro irregular oriundo de dinheiro desviado da Petrobras e investigado pela Operação Lava-Jato.

O ministro é corregedor do TSE, e pode também concentrar as ações de investigação sobre os partidos políticos. Herman Benjamin afirmou que as provas do processo contra a chapa presidencial podem ser compartilhadas nas ações contra as siglas - uma eventual condenação pode resultar na cassação do registro e extinção das legendas. O TSE ainda decide quem será o relator dessas ações - o debate foi interrompido por pedido de vista da ministra Luciana Lóssio, em agosto.

Ontem, Herman Benjamin determinou a criação de uma força-tarefa para trabalhar exclusivamente na ação que pode cassar a chapa presidencial de 2014. A equipe vai contar com integrantes de Polícia Federal, Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que vão atuar com os peritos para avaliar as movimentações financeiras das empresas periciadas.

Benjamin, que também é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem se dedicado intensamente ao caso da chapa Dilma-Temer. Um exemplo foi a decisão de tomar pessoalmente os depoimentos das várias testemunhas arroladas por defesa e acusação.

Em geral, os juízes dos tribunais superiores designam juízes instrutores especializados em processos criminais para estas oitivas, disse o ministro, enfatizando sua atuação neste ponto. "Já viajei ao Rio, a Curitiba e sábado vou a Fortaleza ouvir Sérgio Machado [ex-presidente da Transpetro e delator na Lava-Jato]. A minha parte como juiz, relator do caso, estou fazendo. Não vou empurrar com a barriga."

Nesta sexta-feira ele toma depoimento de Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da Petrobras e delator da Lava-Jato.

Apesar dos esforços, a conclusão do processo sobre a chapa presidencial antes de 2017 é descartada por ministros e advogados no TSE. Em caso de cassação da chapa até dezembro de 2016 - dois anos antes do fim do atual mandato -, a Constituição Federal determina que aconteçam novas eleições diretas. No entanto, se eventual cassação ocorrer a partir de 2017, as eleições são indiretas.

Herman Benjamin disse que, devido ao tamanho do processo, é impossível estabelecer prazo para seu término.

"O ritmo do processo depende também de conjunto de fatores que não estão em minhas mãos, e daí, a impossibilidade de definir data para julgamento. Como por exemplo, o direito as partes de peticionarem, de se cumprir diligências ou apresentar considerações finais, por exemplo. É impossível estabelecer um prazo."

Para ele, este é o processo mais importante já julgado pelo TSE e a decisão do tribunal não pode ser política, mas sim, baseada em fatos e respeitadas todas as garantias constitucionais de defesa. "É o processo mais importante já julgado pelo TSE. A questão é sobre provas, se existem ou não."

O ministro precisa ainda ouvir as duas testemunhas indicadas pela defesa da ex-presidente Dilma Rousseff: seu ex-assessor Giles Azevedo, e o ex-presidente do Ipea, Marcelo Neri. Ele também aguarda o parecer da força-tarefa criada ontem para atuar no processo. Depois, vai abrir prazos para considerações finais de defesa e acusação, e só então vai compor o relatório que será submetido ao plenário para o julgamento das ações.

"Qualquer que seja o meu voto, vou apresentar com base em critérios objetivos de prova, não de suposição ou ilação", disse.

Só durante o julgamento no plenário será analisado o pedido dos advogados do presidente Michel Temer para avaliar separadamente as contas de Dilma e Temer. Alguns ministros da Corte Eleitoral, como Gilmar Mendes e Luiz Fux, se pronunciaram a favor da possibilidade, mas Herman Benjamin não costuma adiantar seus votos e não dá dicas sobre como encara a questão.

O ministro nega qualquer tipo de pressão: "Tenho contado com apoio integral de Gilmar Mendes [presidente do TSE] e da equipe do tribunal".

Depois de quase dois anos de tramitação, o TSE já realizou a maior parte das diligências solicitadas pelo Ministério Público para comprovar os três fatos narrados pelo PSDB na representação em que pede a cassação da chapa presidencial: gastos de campanha acima do limite informado à Justiça Eleitoral, financiamento eleitoral com propina da Petrobras e falta de comprovação de despesas.

Desde então, já foi feita perícia contábil em três gráficas fornecedoras da campanha de 2014 e cujas informações agora serão analisadas pela força-tarefa recém-criada. E o ministro tomou depoimentos de delatores da Lava-Jato, como, por exemplo, Otavio Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez e Ricardo Pessoa, dono da UTC.

Estes depoimentos, disse Herman, não são mera repetição do que já foi relatado nos acordos de delação: "O foco é o outro. Neste processo, não estamos interessados no histórico [do esquema na Petrobras], mas em entender como funcionava o submundo dos grandes financiadores de campanha no Brasil".

Para o ministro, um dos grandes méritos da ação da chapa presidencial é a "transparência absoluta do processo", com as informações disponíveis no site do tribunal e acessíveis por qualquer cidadão.

"A própria existência desse processo demonstra maturidade da democracia brasileira."