Valor econômico, v. 17, n. 4112, 17/10/2016. Internacional, p. A9

Agência de rating dos Brics divide o governo brasileiro

BC e Fazenda são contra, mas Itamaraty apoiou proposta da Índia. APA cúpula dos emergentes: a partir da esquerda, Michel Temer, o russo Vladimir Putin, o indiano Narendra Modi, o chinês Xi Jinping e o sul-africano Jacob Zuma

Por: Assis Moreira

 

A proposta no Brics de criação de uma agência de avaliação de risco de crédito para mercados emergentes, que foi incluída no comunicado final da cúpula dos líderes no domingo, em Goa, causou um racha no governo brasileiro.

O Banco Central e o Ministério da Fazenda são contra a iniciativa, mas o ministro das Relações Exteriores, José Serra, atropelou seus colegas. E, com o Itamaraty no controle da negociação no grupo dos emergentes, aceitou a proposta.

Foi a Índia que propôs a criação de uma agência de rating independente para mercados emergentes, com percepção próxima da situação do grupo. O país reclama que as três grandes mundiais - S&P, Moody's e Fitch - seriam tendenciosas com as notas baixas atribuídas aos emergentes, o que gera pagamentos de juros maiores nos financiamentos dessas economias.

O BC e o Ministério da Fazenda desde o início insistiram que o Brasil não deveria apoiar a iniciativa. Primeiro porque uma agência de rating patrocinada por governo não teria credibilidade nos mercados. E isso mandaria um sinal negativo para o mercado, justamente quando o Brasil tenta restabelecer pontes com investidores globais.

Outro argumento é que a iniciativa poderia inibir agencias nacionais já nos mercados, como Austin e SR no Brasil. Para o BC e a Fazenda, essas agências vão crescer mais à medida que houver um mercado de capitais mais dinâmico no país. Além disso, não se cria uma agência na base do voluntarismo. E também é caro, num momento em que os governos cortam gastos.

A Índia voltou à carga, nas negociações antes da cúpula do Brics, dizendo que a agência seria privada e com um novo modelo de preço. O eventual investidor é que pagaria pelo rating de um emissor de título de dívida. Atualmente, na maior parte dos casos, é a companhia ou instituição emitindo o título que paga pelo rating.

Todos os cinco bancos centrais do Brics foram contra a iniciativa. A Rússia claramente disse não. A África do Sul pareceu hesitante entre o não do área de finanças e o apoio dado pela chancelaria.

No sábado, a delegação da China desembarcou em Goa também com o plano de matar a ideia, argumentando que o mercado não levaria a sério uma agência de rating formatada pelos governos.

A percepção no grupo é que, se o Brasil tivesse ficado ao lado da China e da Rússia, o plano teria sido engavetado. Mas Serra chegou dizendo que apoiava a ideia.

Ontem, diante da pressão da Índia por resultado na cúpula, as outras chancelarias cederam. O comunicado final traz duas linhas indicando que os técnicos do Brics vão "explorar a possibilidade" de criação de uma agência de avaliação de risco com orientação de mercado, a fim de reforçar a arquitetura da governança global.

Mas, diante dos outros líderes, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, simplesmente anunciou que eles concordaram com a "criação da agência" o mais rápido possível. Serra, que continua favorável à iniciativa, admitiu que o indiano errou, mas observou que os trabalhos vão continuar agora entre os técnicos. "Abriu-se a porteira", observou uma fonte, enquanto outros negociadores pareciam céticos com a possibilidade de a agência decolar num futuro próximo.

Observadores notaram que a própria União Europeia, irritada com os ratings no auge da crise da dívida no euro, anunciou a sua intenção de criar uma agência independente, mas depois recuou por questão de credibilidade.

Mas o presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics, o indiano KV Kamath, reiterou que o rating das três grandes agências internacionais limitam a capacidade de negócio dos emergentes e podem afetar o crescimento desses países.