Valor econômico, v. 17, n. 4110, 13/10/2016. Brasil, p. A2

MP aprofunda investigação de operação externa do BNDES

Por: André Guilherme Vieira e Francisco Góes

 

Além de ter sofrido suspensão de repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para 25 projetos já contratados, a exportação de serviços de engenharia também está sob a mira do Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal. O órgão está aprofundando cinco frentes de investigação que apuram indícios de irregularidades na concessão de empréstimos internacionais pelo BNDES, no período de 2008 a 2015.

As medidas do BNDES jogam mais pressão sobre as empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato. Os repasses suspensos do BNDES somam US$ 7 bilhões, dos quais US$ 2,3 bilhões desembolsados, e se referem a empreendimentos de cinco empreiteiras: Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, realizados em nove países da América Latina e África.

O MPF investiga liberações de financiamentos de valores bilionários, em dólares e que, segundo os procuradores da República responsáveis pelos procedimentos, teriam envolvido também o Ministério do Desenvolvimento, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) da Presidência da República e o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig) da Camex. Um dos focos das investigações é o Programa Sustentável de Investimento para Exportação de Serviços.

São alvos dos investigadores o financiamento da Odebrecht, com apoio do governo federal, para realização de obras do metrô de Caracas, na Venezuela; suposto tráfico de influência exercido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor da Odebrecht "com pretexto de influir em atos praticados por agentes públicos estrangeiros, notadamente os governos da República Dominicana e Cuba", entre 2011 e 2014; irregularidades em financiamento para construção de hidrelétrica no Equador e ainda a concessão de US$ 692 milhões à Odebrecht para obra em terminal do Porto de Mariel, em Cuba. Há também suspeitas de que a Odebrecht pagou US$ 500 milhões em suborno ao governo do Panamá para ganhar concorrência de obra do Metrô no país.

Os quatro procedimentos investigatórios criminais, além de inquéritos policiais e civis em curso já resultaram em acusação formal ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao herdeiro do Grupo Odebrecht Marcelo Odebrecht e ao sobrinho da primeira mulher de Lula.

Ao oferecer a denúncia à 10ª vara criminal da Justiça federal do DF, os procuradores destacaram que, apesar de considerarem as provas suficientes para formalização da primeira acusação, "há, ainda, necessidade de prosseguir apurando condutas de terceiras pessoas, citadas superficialmente [em inquérito policial] ou, [que] quiçá, concorreram para a prática dos delitos apontados na denúncia ora apresentada".

Entre os investigados pelo MPF estão o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que deixou o banco em maio deste ano, o ex-chefe do escritório Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Cuba e o ex-presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Luciano Coutinho informou, por meio de sua assessoria, que desconhece o teor das investigações citadas. Segundo ele, durante sua gestão à frente do BNDES, o banco forneceu "de maneira diligente todas as informações que foram requisitadas por autoridades e órgãos de controle, inclusive sobre operações de apoio à exportação". A nota diz ainda que todas as operações de financiamento a exportação de bens e serviços brasileiros aprovadas durante sua gestão respeitaram os critérios adotados pelo BNDES, com uma governança que inclui a passagem por órgãos colegiados externos e internos.

O MPF poderá contar com o auxílio de autoridades de investigação de Portugal e de Angola para apurar eventual envolvimento de agentes públicos desses países em supostas práticas irregulares. A medida, no entanto, depende de decisão a ser tomada em âmbito de acordo de cooperação internacional.

A suspensão dos repasses do BNDES para os 25 projetos de exportação de serviços está em vigor desde maio deste ano, mas só foi anunciada oficialmente anteontem em entrevista do diretor de comércio exterior do banco, Ricardo Ramos. Ele também falou sobre a nova metodologia que passa a vigorar a partir de agora no banco para financiar as exportações de serviços de engenharia e construção.

A ideia do banco é aperfeiçoar os procedimentos de financiamento, buscando analisar não só os ganhos em termos da entrada no país de divisas dos projetos apoiados, mas também variáveis como geração de empregos no Brasil, agregação de valor ao longo da cadeia e aspectos socioambientais. Ramos disse que está sendo feita análise caso a caso dos projetos com desembolsos suspensos e reconheceu que existe a possibilidade de que parte deles seja cancelada. A negociação envolve as empreiteiras, na condição de exportadoras para os projetos no exterior, e também os países nos quais os projetos se realizam.

A decisão do BNDES de suspender os desembolsos ocorreu em maio, quando o banco fez consulta à Advocacia-Geral da União (AGU), após o órgão ter movido uma ação civil pública por improbidade administrativa contra as empreiteiras investigadas na Lava-Jato. A AGU respondeu que não haveria impedimentos para o BNDES fazer os empréstimos, mas que caberia à instituição avaliar o risco de crédito das operações. Por prudência bancária, o BNDES suspendeu os desembolsos.

Existem ainda na carteira da área de exportação do banco outros 22 projetos de exportação de serviços de engenharia que ainda não foram contratados. Procuradas, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Odebrecht não comentaram o assunto. A OAS não respondeu até o fechamento e Camargo Correa não foi encontrada. (colaboraram Juliana Schincariol e Victoria Mantoan)