Valor econômico, v. 17, n. 4110, 13/10/2016. Política, p. A6

Saída de pauta da repatriação é vista com alívio pelo governo

Por: Fabio Graner, Raphael Di Cunto e Thiago Resende

 

A decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de não mais colocar em pauta o projeto que mudaria a Lei da Repatriação é uma boa notícia para a área econômica do governo, em especial a Receita Federal. Se for, de fato, uma posição definitiva. A dúvida surge porque o próprio Maia já amenizou o tom no fim da terça-feira e por conta da mudança de postura dos governadores, que de refratários a alterações em razão da pressa em receber recursos passaram a ver o movimento com bons olhos, diante da possibilidade de receber fatia maior do total a ser arrecadado.

Após encerrar a sessão por falta de acordo sobre o projeto que mudaria a Lei da Repatriação, e dizer que o assunto não voltaria mais à pauta, o presidente da Câmara conversou com o presidente Michel Temer. "Ele gostaria que tivesse sido votado, achava importante até pelo acordo com os governadores [para os Estados receberem parte da arrecadação com a multa], mas não teve acordo, paciência, tem outros projetos importantes para serem votados", disse. Ao voltar à Câmara, contudo, Maia não foi tão enfático sobre não pautar mais o projeto. Mas reiterou que, na próxima semana, a Câmara discutirá outros temas.

Depois de reunião com a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, e outros nove mandatários estaduais, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), lamentou que o projeto tenha sido retirado da pauta. Para ele, "a expectativa era ter arrecadação maior em momento de grande dificuldade" para os Estados. O governador Wellington Dias (PT), do Piauí, chegou a ameaçar com processo na Justiça se a Receita Federal não repartir todo recurso da repatriação.

Na semana passada, o time liderado pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles já dava como perdida a batalha em torno das mudanças na repatriação e tinha partido para a política de minimizar os danos do processo que estava em curso.

A principal questão para os técnicos do governo era manter o conceito apelidado de "filme", que tributava todo o valor remetido e movimentado no exterior, mas os deputados estavam articulando a introdução do conceito de "foto", que tributaria apenas o saldo em 31 de dezembro de 2014. O entendimento da Receita era que essa mudança não só premiava quem remeteu os recursos ilegalmente como também reduzia a base de arrecadação.

Parlamentares e advogados argumentavam que, com a mudança, a adesão seria maior porque diminuiria a insegurança jurídica. E já tinham fechado entendimento em torno do tema, com o governo reconhecendo que não tinha força para segurar essa movimentação. O próprio Rodrigo Maia falou em arrecadar R$ 65 bilhões a mais, embora os técnicos da área econômica, nos bastidores, demonstrassem bastante ceticismo com a repercussão dessa medida na arrecadação final.

Ao verem os parlamentares avançar com o processo de votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que limita os gastos, a área econômica buscou uma solução para deixar o texto com menos problemas, garantindo por exemplo o recuo até 2010 para verificação de saldos das contas no exterior, caso não houvesse saldo no fim de 2014, e evitar um adiamento muito grande da data-limite para adesão.

Os governadores tinham sido acionados para trabalhar contra as alterações, com a alegação de que poderiam diminuir o montante a ser repassado por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e, dependendo do prazo, colocar em risco o recebimento dos recursos neste ano. Mas a posição deles mudou. A discussão do projeto migrou para a possibilidade de aumentar a partilha de recursos, incluindo a arrecadação gerada pela multa, ganhando o apoio dos governadores.

A Fazenda explicitou que só aceitava partilhar o que excedesse o total de R$ 50 bilhões (R$ 25 bilhões de multa). Os governadores queriam avançar mais, embora já demonstrassem interesse nesse valor, melhor do que a oferta original de dividir o que superasse R$ 70 bilhões (R$ 35 bilhões de multa). A bancada do PT, contudo, queria partilhar tudo, posição original dos governadores.

Com o impasse instalado e sem a presença de seus aliados, Maia, que na semana passada já tinha se irritado com a manifestação do líder do governo, André Moura (PSC-SE) contra a tese da foto, disse que a discussão chegou no limite e que o assunto sairá de pauta. "O PT não quer votar. O PT não quer acordo para atender aos governadores do Brasil, que estão quebrados. Não posso fazer nada. Da minha parte, fiz todo esforço. Agora não posso encaminhar um tema que o prazo termina no fim do mês e que há uma insegurança daqueles que querem repatriar o dinheiro. Agora, eles têm a informação: a regra é a atual e o prazo é até 31 de outubro", afirmou Maia.

Causou estranhamento em fontes do governo ele inicialmente culpar o PT pelo impasse, especialmente um dia após a aprovação da PEC dos gastos, que demandava muito mais votos. No fim do dia, Maia também aliviava o discurso e já não culpava os oposicionistas.

Apesar de não querer alterações, nos bastidores da Fazenda não se tinha certeza sobre quão definitiva era a decisão de Maia. A percepção é que os contribuintes tinham parado de aderir à repatriação com a perspectiva de mudança e que agora tendem a voltar. Para os governadores, é melhor o texto atual do que a proposta que a Fazenda aceitava, dado que ninguém sabe exatamente quanto a medida vai gerar e que nos primeiros dez dias de novembro já receberão a parcela que lhes é devida. (Colaboraram Cristiane Bonfanti e Lucas Marchesini)