Julgamento põe cargo de Renan em risco

 
27/10/2016
Eduardo Militão

 

A crise entre os Poderes, cuja temperatura foi elevada com a Operação Métis, teve mais um capítulo ontem. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, pautou o julgamento de uma ação da Rede Sustentabilidade que, caso seja aceita, ameaça o cargo do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em confronto com o Judiciário depois que policiais legislativos foram presos pela Polícia Federal. A sessão será em 3 de novembro.

A decisão foi noticiada ontem, dois dias depois que o parlamentar chamou o titular da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Oliveira, de “juizeco de primeira instância” e um dia depois que a ministra Cármen exigiu respeito ao Judiciário. Fontes ligadas à presidente do STF negaram que se tratasse de alguma retaliação, apesar do sentimento que existe entre advogados e assessores de ministros do tribunal. Isso porque foi na sexta-feira passada que ela pautou o julgamento da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) da Rede, antes da declaração sobre o “juizeco”.

No entanto, no mesmo dia 21, Renan divulgou uma nota criticando a Operação Métis. “As instituições, assim como o Senado Federal, devem guardar os limites de suas atribuições legais”, afirmou o senador. “Valores absolutos e sagrados do estado democrático de direito, como a independência dos Poderes, as garantias individuais e coletivas, liberdade de expressão e a presunção da inocência, precisam ser reiterados.”

O relator da ação da Rede, Marco Aurélio Melo, liberou, em 16 de setembro, o voto para julgamento. O partido pede que outros políticos sejam afastados de seus cargos, como já ocorre no processo de impeachment de presidente da República, em que eles são retirados da função quando a acusação é recebida. Assim, os demais integrantes da linha sucessória (vice-presidente da República, presidentes da Câmara, do Senado e do STF, nessa ordem) também seriam afastados quando uma denúncia criminal fosse recebida contra eles.

Esse princípio ajudou a retirar o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do cargo que ocupava. O Supremo recebeu duas denúncias contra ele, que acabou cassado em setembro. Assim como Cunha, Renan está na iminência de virar réu. Isso só não ocorreu ainda porque, há três anos e nove meses, o STF não julgou o caso, apresentado em janeiro de 2013 pelo Ministério Público. A acusação é de que ele usou documentos falsos de venda de gado para justificar rendimentos e comprovar que tinha dinheiro para pagar, sozinho e sem ajuda de empreiteiras, a pensão alimentícia de uma criança fruto de um caso com a jornalista Mônica Veloso.

O caso está no gabinete do ministro Luis Edson Fachin, mas encontra-se pronto para ser julgado. Novamente, depende apenas da ministra Cármen Lúcia pautar a denúncia no inquérito “dos bois de Alagoas”. Uma nova decisão dela ameaçaria ainda mais o cargo de Renan.

 

 

"Certa tensão"

Ao participar de um evento no Instituto Brasileiro de Direito Público, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes negou ontem que exista uma “guerra” entre os Poderes. “Há uma certa tensão. São muitos episódios que têm ocorrido e que se sobrepõem. É normal que, de vez em quando, haja uma certa tensão, fricção, estresse. São pessoas extremamente qualificadas, com responsabilidade e que saberão encaminhar da maneira mais adequada o diálogo.” (Patrícia Rodrigues)

 

Cunha e Alves viram réus

O juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, aceitou a denúncia enviada pelo Ministério Público Federal e tornou réus, ontem à tarde, os ex-deputados federais Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que foi ministro nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, e outras três pessoas, incluindo o corretor de valores Lúcio Bolonha Funaro. O juiz acolheu a acusação do MPF que apontou supostos pagamentos de propina para intermediação de liberação de recursos, para projetos privados, do fundo de investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

 

Correio braziliense, n. 19512, 27/10/2016. Política, p. 3