Racionamento ronda o brasiliense

 
26/10/2016
Camila Costa

 

Em tempos em que a situação hídrica está ruim — e pode piorar —, não resta outra solução. O jeito é economizar água. Nas ruas, no comércio e em casa, a conscientização começa a sobressair aos banhos demorados, às lavagens de carros e a outros desperdícios do dia a dia. O medo ainda é maior por conta do arrocho na conta, com a implementação da taxa de contingência. Mas a possibilidade de ficar pelo menos 24 horas sem água tem causado mais preocupação. O racionamento será a próxima etapa de combate à  maior crise hídrica da história do Distrito Federal, que, se efetivado, atingirá 85% da população. Outra consequência imediata tem sido o aumento do preço de serviços que dependem diretamente de água.

Um pet shop, na 108 sul, recebe cerca de 50 cachorros por dia. Todo atendimento exige  gasto de água. Entretanto, a dona do local, Graça Souza, estabeleceu alguns projetos de economia de consumo para o comércio. Um dos principais substituirá o equipamento de banho dos pets. “Vamos trocar todos os chuveiros por jatos que permitem um controle da saída de água. Além disso, já comecei a alertar os funcionários em relação ao desperdício”, relata. A conta de água do local vem, em média, no valor de R$ 2 mil. Com a tarifa de contingência, haverá um aumento de 10%. “A saída que encontrei foi aumentar o valor dos banhos. Não quero demitir funcionários, espero que a situação melhore.”

Outro tipo de segmento que demanda o uso de grande quantidade água são os lava-jatos. Um desses estabelecimentos, no Setor Hoteleiro Sul, gasta, em média, 15 mil litros de água por semana. A gerente, Suelem Cristina da Silva, afirma que o preço sofreu aumento nas últimas semanas. “O abastecimento é realizado semanalmente por um caminhão-pipa, que subiu de R$ 100 para R$ 120. Com isso, ainda nem sabemos em que preço vai parar”, lamenta. Suelem aponta ainda algumas saídas para evitar o racionamento. “Estamos estudando um método de reaproveitamento da água. O nosso objetivo é evitar o desperdício o máximo possível.” 

 

Cobrança

A tarifa de contingência entrou em vigor ontem. Foi decretada quando o nível de uma das duas principais fontes de abastecimento do Distrito Federal, o Reservatório do Rio Descoberto, ficou abaixo dos 25% do volume útil. E o nível continua a cair. Chegou a 24,37% ontem. Caso atinja os 20%, começa imediatamente o racionamento. Na próxima conta de água, o consumidor receberá o aviso da Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) sobre a cobrança da taxa extra de 20% para quem gastar mais de 10 mil litros. Na seguinte, começa efetivamente a cobrança. O aumento será de 10% no valor final da fatura. O índice é metade do previsto na resolução publicada pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do DF (Adasa) — ele foi reduzidaopor uma liminar concedida pela Justiça, graças a uma ação movida pelo Ministério Público do DF. A Adasa vai recorrer da decisão.

O bancário Antônio Campelo, 58 anos, diz que, desde que a situação se tornou crítica, realiza métodos de economia dentro de casa. “O tempo dos nossos banhos está reduzido, determinamos apenas um dia na semana para a lavagem de roupa e a limpeza da casa está sendo feita conscientemente”, descreve. Na residência de Antônio, a conta deste mês veio no valor de R$ 460. Com o aumento, o valor ficaria em R$ 506. “No Brasil, deveriam existir mais campanhas de conscientização. Não podemos esperar uma situação destas para começarmos a poupar. Isso é um absurdo”, reclama. Além das economias de água estabelecidas, a residência do bancário é equipada com teto solar, que alimenta o funcionamento elétrico dos banheiros da casa.

Em relação aos condomínios sem hidrômetro, a cobrança ou não de tarifa será calculada usando o consumo total, dividido pela quantidade de unidades. Se for superior a 10 mil litros por residência, o condomínio pagará a taxa extra. Para evitá-la, o síndico de um prédio na Quadra 106 da Asa Sul adotou medidas simples. Ele afirma que o prédio conta com um poço de 50 mil litros, que nunca foi usado. “Queremos realizar a captação da água da chuva para limpeza das áreas comuns e para cuidar dos jardins”, aponta.

 

Plano

Para a Adasa, 150 litros diários por pessoa é um consumo considerado razoável. Já a média recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 100 litros por habitante. Enquanto isso, a população das Asas Norte e Sul gasta cerca de 400 litros de água por pessoa ao dia, e a dos Lagos Norte e Sul, com suas piscinas e gramados, chega a consumir mais de 800 litros de água por pessoa diariamente. “Teoricamente, os moradores do Lagos Sul e Norte farão um esforço maior. Mas, na prática, às vezes, fica até mais fácil de economizar. Uma varanda ou um carro que se deixa de lavar são pequenas mudanças, mas que geram uma grande diferença”, indica o presidente da Caesb, Maurício Luduvice. Segundo ele, a taxa é, justamente, para incentivar a economia. “É uma mudança de hábito, algo cultural. Vivemos em uma sociedade acostumada a uma disponibilidade maior de água, mas chegou nossa vez de frear”, afirma Luduvice.

Caso seja efetivado, o racionamento não será o primeiro do DF neste ano. Em setembro, o clima seco e a falta de água obrigaram o governo a restringir o fornecimento de água em cinco regiões administrativas por cerca de duas semanas. A medida afetou 600 mil pessoas e, agora, promete ser mais ofensiva se os reservatórios atingirem o percentual de 20% do volume útil. Deverão ficar de fora do racionamento apenas as regiões administrativas de Sobradinho, Planaltina, Jardim Botânico, São Sebastião e Brazlândia — que representam 15% do DF.

A Adasa e a Caesb se programam para isso. O plano de contingenciamento de água está em fase de ajustes. Cidades inteiras ficarão sem água por períodos específicos. Por exemplo, uma região fica com água 72 horas e 24 horas sem. Outra medida será o uso de caminhões-pipa. Como o sistema é interligado, não tem como desligar uma cidade e deixar estabelecimentos como hospitais, escolas e delegacias ligados. Por isso, a companhia terá que fazer abastecimento por caminhões-pipa. O presidente da Caesb explica ainda que o racionamento é caro e dá muito trabalho, uma vez que o sistema foi planejado para funcionar sem intermitências. “Para deixar de abastecer uma cidade, teremos que levar uma equipe para baixar a pressão das válvulas, interromper a adutora. Serviços que dão trabalho e terão custos para a empresa.”

 

Revisão

O Serviço Jurídico da Adasa recorrerá da decisão da Justiça que limitou a 20% a tarifa de contingência, independentemente se o usuário é comercial, industrial ou residencial. Para a agência, a redução impossibilitará o cumprimento da meta de 15% de economia. O consumidor residencial é responsável pelo uso de 80% do volume fornecido. “A meta de redução do consumo que se pretende, 15%, ou 1,5 milhão de metros cúbicos, o suficiente para abastecer durante um mês 460 mil pessoas, possibilitaria a manutenção dos reservatórios em níveis seguros até a chegada do período chuvoso”, defende.

 

Correio braziliense, n. 19511, 26/10/2016. Cidades, p. 19