Breves comentários à PEC nº 241

 

22/10/2016
Almir Pazzianotto Pinto

 

A Mensagem 83/2016, do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao presidente Michel Temer não contém Proposta de Emenda à Constituição da República Federativa do Brasil; propõe alteração do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). A Constituição da República compõe-se de 250 artigos. A ela se encontra anexado o ADCT que continha, originariamente, 70 dispositivos destinados a terem vigência temporária, ou seja, transitória. Passados 28 anos desde a promulgação,em 5 de outubro de 1988, o ADCT, perdeu as características de legislação transitória; não só se tornou perene, como se expande com a inserção de novos dispositivos.


A PEC nº 241 destina-se, caso aprovada, a ter prazo de vigência prefixado de 20 anos ou 20 exercícios financeiros, como está no art. 101. Dada a fragilidade das leis constitucionais, poderá durar menos, de acordo com as conveniências de futuros governos. Publio Cornélio Tácito (55-120), historiador e senador romano, escreveu “o mais corrupto dos estados tem o maior número de leis”. Thomas Paine (1737-1805), político britânico e um dos pais fundadores dos Estados Unidos da América, disse que “as leis de execução difícil em geral não podem ser boas”.

É espantoso que órgãos da administração pública direta e indireta dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios exijam regras minuciosas, de natureza constitucional, para não gastarem mais do que arrecadam e respeitarem os respectivos orçamentos. Quando se atinge tal grau de irresponsabilidade, quaisquer comandos constitucionais, constitucionais transitórios, de lei complementar ou ordinária estão fadados ao insucesso.

Nas justificativas da PEC 241, o ministro Henrique Meirelles reconhece: “Faz-se necessária mudança de rumos nas contas públicas, para que o país consiga, com a maior brevidade possível, restabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública”. “No âmbito da União — prossegue S. Exa. — a deterioração do resultado primário nos últimos anos, que culminará com a geração de um deficit de até R$ 170 bilhões este ano, com a assunção de obrigações, determinou aumento sem precedentes da dívida federal.”

Segundo o titular do Ministério da Fazenda, “a raiz do problema fiscal do governo federal está no crescimento da despesa pública primária. No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%”. Diz ainda: “O governo, em vez de atuar como estabilizador das altas e baixas do ciclo econômico, contribui para acentuar a volatilidade da economia: estimula a economia quando ela já está crescendo e é obrigado a fazer ajuste fiscal quando ela está em recessão”.

Sabemos que o problema fiscal não se limita ao governo federal; atinge estados e municípios, poderes Legislativo e Judiciário. A cultura do esbanjamento faz parte dos usos e costumes nacionais desde a época em que éramos colônia portuguesa. Com o aparente objetivo de neutralizar críticas, o presidente Michel Temer já se adiantou em declarações públicas: a contenção de despesas poderá ser de cinco e não de 20 anos. S. Exa. é otimista. Como permanecerá à frente da Presidência da República pouco menos de dois anos, é incapaz de adivinhar o que ocorrerá a partir de 2019; tudo dependerá de quem vier a ser eleito em 2018.

Observe-se que mesmo o ministro Henrique Meirelles sente-se inseguro ao admitir, acerca do novo regime fiscal, “a possibilidade do cumprimento do limite por meio de atrasos de pagamentos, o que não constituiria ajuste fiscal legítimo, mas tão somente repressão fiscal, que empurraria o problema para frente, sem resolvê-lo”. Alerta, também, para o fato de que “as regras aqui propostas só funcionarão se forem utilizadas por um governo imbuído de responsabilidade fiscal”.

Para governantes imbuídos do sentido de responsabilidade fiscal, a PEC seria desnecessária. Bastaria respeitar a lei orçamentária e não violar o princípio da probidade, como exige o art. 85 da Constituição. Prepare-se o Ministro da Fazenda. O novo regime fiscal enfrentará enormes obstáculos para se firmar como realidade. (...)

 

ADVOGADO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E EX-PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

 

Correio braziliense, n. 19507, 22/10/2016. Opinião, p. 13