Parceria com Collor e aliança com Garotinho

 
30/10/2016
Paulo de Tarso Lyra

 

Poderia se dizer que o ex-todo-poderoso presidente da Câmara Eduardo Cunha, cassado com apenas 10 votos favoráveis e preso em Curitiba há quase 15 dias, construiu a carreira política com base na facilidade em decorar números e planilha. Mas não só isso. Ele também é hábil em aproximar-se de figuras influentes, e no poder de convencimento para angariar recursos que financiem, literalmente, a sua base de apoio.

“Podemos reclamar de qualquer coisa do Cunha. Menos da transparência dele em relação aos pontos de vista que defende”, disse, certa vez, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), na época em que tinha embates duros com o peemedebista — Chinaglia era, então, líder do governo Dilma na Câmara, e Cunha, líder do PMDB.

Cunha sempre traçou caminhos se ligando a nomes que tinham poder e, ao mesmo tempo, capacidade de se envolver em escândalos. Embora tenha tido participações discretas nas campanhas estaduais de Eliseu Rezende (1982), em Minas, e de Moreira Franco (1986), no Rio de Janeiro, Cunha aproximou-se de Paulo César Farias e embarcou de corpo e alma na campanha presidencial de Fernando Collor, em 1989.

Collor derrota Lula no segundo turno e, por sugestão de PC Farias, indica Cunha para a presidência da Loterj. Depois que deixa a estatal, sob suspeitas de corrupção —– a primeira acusação de desvios dirigida a ele — Cunha descola-se da dupla e aproxima-se de uma estrela em ascensão na política fluminense, Anthony Garotinho, o novo queridinho de Leonel Brizola.

Ambos evangélicos, com livre trânsito nos diversos segmentos religiosos fluminenses e poder de comunicação, formaram uma dupla que passou um tempo dando as cartas no estado do Rio de Janeiro. Garotinho vivia o começo do seu auge político. Em 1994, ficara em segundo na disputa pelo Palácio Guanabara. Em 1996, foi eleito prefeito de Campos. Mas, em 1998, os ventos começam a mudar para os amigos.

Garotinho elegeu-se governador do Rio de Janeiro, com o apoio do PT. O então presidente nacional do PT José Dirceu quebrara a espinha dorsal do PT fluminense, obrigando a legenda a abandonar a candidatura de Vladimir Palmeira e embarcar na candidatura do pedetista. No plano nacional, Lula e Brizola formavam a chapa que acabou sendo derrotada novamente por Fernando Henrique Cardoso.

Assim que tomou posse, Garotinho nomeou Francisco Silva para ser secretário de Habitação. Este indica Cunha como subsecretário. Pouco depois, novas mudanças ocorrem e a secretaria passa a ser Companhia Estadual de Habitação (Cehab). Cunha vira presidente.

O sedutor Cunha atrelou-se de vez ao governador do Rio. Não apenas na parte política, mas também na área religiosa. Tornou-se produtor do programa de Garotinho na rádio Melodia FM. O programa tinha uma audiência enorme, com aproximadamente 280 mil ouvintes e intitulava-se “Palavra de Paz”, apresentado das 17h às 19h, de segunda a sexta.

Quem era o presidente da rádio? Francisco Silva, aquele mesmo que era Secretário de Habitação e que indicara Cunha como subsecretário. Foi também Silva quem levou Cunha para a Igreja Sara Nossa Terra. A parceria começou a esgarçar as relações entre Garotinho e Brizola. O caudilho gaúcho não aceitou que um indicado por Collor tivesse um cargo tão importante na estrutura de poder fluminense.

Garotinho bancou o parceiro Cunha, rompeu com o PDT e filiou-se ao PSB. Em 2002, pela legenda de Miguel Arraes e Eduardo Campos, concorreu à Presidência da República, recebendo 15 milhões de votos. Naquele mesmo ano, embora tenha tido uma participação discreta na campanha presidencial, Cunha elege-se pela primeira vez para deputado federal, com 101 mil votos.

Com apenas um ano de mandato, filiara-se ao PPB pelas mãos do atual vice-governador do Rio, Francisco Dornelles. Depois, dá adeus a ele e filia-se ao PMDB, junto com seu novo padrinho político, Anthony Garotinho. Começa aí a caminhada de Garotinho e Cunha na Câmara dos Deputados.

 

Frase

"Podemos reclamar de qualquer coisa do Cunha. Menos da transparência dele em relação aos pontos de vista que defende”

Arlindo Chinaglia, deputado federal

 

Correio braziliense, n. 19515, 30/10/2016. Política, p. 6