Valor econômico, v. 17, n. 4108, 10/10/2016. Finanças, p. C1

Caixa quer que Tesouro assuma avais de crédito da Petrobras

Banco tem R$ 20 bilhões empenhados que poderiam liberar limite para fazer novos empréstimos

Por: Felipe Marques e Vinicius Pinheiro

 

A Caixa Econômica Federal negocia com o governo para que o Tesouro Nacional assuma avais de operações de crédito, hoje dados pelo banco, em operações com empresas estatais, com destaque para a Petrobras. A informação é do presidente da Caixa, Gilberto Occhi, em entrevista ao Valor. "Temos feito algumas propostas ao Tesouro. Há garantias que a Caixa dá hoje, e que consomem capital do banco, mas que o Tesouro poderia dar", diz.

O executivo calcula um estoque próximo de R$ 20 bilhões dessas operações, a maior parte com a Petrobras, mas também estão na lista outros devedores. A transferência desses avais para o Tesouro liberaria cerca de R$ 900 milhões de capital para o banco, calcula.

Conseguir mais capital sem ter de recorrer a um aporte do controlador, o Tesouro, é um nó que a Caixa tem para desatar nos próximos anos se quiser continuar liderando mais crédito no país. "Temos um dever de casa em andamento", diz Occhi, a esse respeito.

A transferência de operações de garantia para o Tesouro faz parte de um pacote mais amplo de medidas que o banco vem adotando para liberar capital, que inclui a redução de dividendos, vendas de participações em empresas e redução na inadimplência. "Com algumas dessas medidas, não precisaremos de capital em 2017, mesmo sem contar com os recursos da abertura de capital da Caixa Seguridade e da venda de parte da Lotex", diz. A Lotex é uma empresa de "raspadinhas" para a qual a Caixa busca um sócio privado.

O executivo, porém, afirma que, no caso de uma retomada mais forte do crédito nos próximos anos e de um amplo sucesso do programa de concessões do governo, a Caixa pode acabar tendo que pedir recursos ao controlador. "Não quero depender de aporte do Tesouro, mas se for preciso, será para gerar novos negócios", diz.

O banco federal, detentor da maior carteira de crédito do país pelo critério do Banco Central (BC), é o único das grandes instituições em que os empréstimos continuam crescendo. O estoque ampliado de crédito da Caixa, que inclui avais e fianças, sobe 6,7% no acumulado 12 meses encerrados em junho. Nos outros quatro grandes bancos de varejo, encolhe 3,49%, em média. "A meta era crescer 8% no crédito em 2016. Estamos perto de 6%, mas vamos subir mais até o fim do ano", diz Occhi.

Essa expansão do crédito, porém, cobra um preço em termos de capital. Em junho, a Caixa registrava o menor índice de Basileia entre os grandes bancos de varejo, de 12,7%. Nos outros quatro grandes, o índice era de 17,4%, em média. Esse indicador é a principal maneira de medir o capital que um banco dispõe para fazer frente ao risco que toma e limita sua capacidade de dar crédito. Neste ano, o Banco Central (BC) exige que os bancos tenham, no mínimo, 10,5% de índice de Basileia, sendo que os grandes bancos sempre superam isso.

As agências de classificação de risco, como Fitch e Moody's, têm alertado para a possibilidade de o banco precisar de aportes nos próximos anos. A exigência está ficando mais alta a cada ano. O Brasil está adotando regras mais rígidas de capital, como parte de um movimento global para diminuir os riscos de insolvência. Em 2019, o piso para o índice pode chegar a 14%.

É essa trajetória que preocupa analistas. Nas simulações apresentadas pela Caixa, caso todas as regras de capital que valerão em 2019 estivessem em vigor hoje, o índice de Basileia cairia para 11,8%. Isso já contando um aumento de capital de R$ 2,78 bilhões feito em julho pela Caixa, via incorporação de reservas de loterias. Segundo a analista Ceres Lisboa, da Moody's, no ritmo atual, a Caixa pode atingir os limites mínimos de capital em um prazo de 12 a 18 meses. "Com ativos de baixa rentabilidade, o banco tem mais dificuldade de recompor o capital do que os concorrentes", diz. A abertura de capital da unidade de seguros e a venda da participação nas loterias terão efeitos positivos no capital do banco, mas o impacto ainda não é claro, segundo a analista.

Uma saída para preservar capital seria o banco moderar o crescimento de sua carteira de crédito nos próximos anos, quando há uma expectativa de retomada no apetite por financiamento. Occhi, porém, deixa claro que a Caixa não tem intenção de recuar do espaço tomado nos últimos anos. "Estamos ganhando participação em ativos, ficando perto de 22%. Essa participação faz sentido para o tamanho do banco", diz. A Caixa encerrou o primeiro semestre com R$ 1,1 trilhão em ativos, terceiro maior banco do país.

A partir de 2011, a Caixa fez uma mudança de perfil de atuação. O banco saiu de 7% de participação em ativos para os cerca de 22% atuais, e passou a competir de forma agressiva em modalidades de crédito em que não atuava, como o financiamento ao consumo. O período foi marcado por uma série de operações de capitalização, envolvendo o Tesouro e o FGTS. Contudo, nesse período a Caixa repassava a totalidade de seus dividendos ao controlador.

A redução do dividendo repassado ao Tesouro é outra medida que Occhi negocia para melhorar o capital do banco. No passado, o banco reteve 50% de seus dividendos para reforçar capital. Segundo o presidente da Caixa, há conversas para limitar a distribuição a apenas 25%, o piso estatutário.

O banco trabalha também em outras frentes para reforçar seu capital, em particular a venda de ativos. Para 2017, o banco espera concretizar a abertura de capital de seu braço de seguridade. Segundo o presidente da Caixa Seguridade, Raphael Rezende Neto, ainda não é possível estimar o volume de recursos que a venda da participação trará para o banco.

Para ele, a abertura de capital pode acontecer mesmo sem a renovação do acordo com a CNP Assurances, parceira da Caixa nessa área, que vence em 2021. "Estamos em um processo interno para calcular quanto vale o balcão de seguros da Caixa, mas não há discussão sobre o acordo agora", diz.

Outra operação que deve sair em 2017 é a venda do controle da loteria instantânea da Caixa (Lotex) para um sócio privado. Segundo Occhi, será o BNDES quem conduzirá o processo. O banco deve, em breve, buscar bancos de investimento para coordenar a transação.

Já uma possível abertura de capital da área de cartões da Caixa deve demorar mais para sair. "A Caixa Cartões está em um estágio bem mais incipiente que a seguridade e a Lotex", diz Occhi, apontando que há uma série de ajustes internos que precisam ser feitos na área antes de o banco pensar em levá-la à bolsa.

Uma eventual redução da inadimplência do banco também pode ajudar no reforço de capital, uma vez que melhoraria a rentabilidade sobre patrimônio da Caixa, hoje em 9,8%. "Nossa meta é ter uma inadimplência abaixo da média de mercado até o fim do ano", diz Occhi. (colaborou Vinicius Pinheiro)